Questionário

Wednesday 9 January 2013

A cobardia de Passos Coelho e a miopia do FMI

Este governo contínua a exibir a sua cobardia política ao divulgar medidas impopulares para depois recuar em relação aos interesses dos mais poderosos. Foi assim, com o corte dos salários dos trabalhadores do sector empresarial do estado, com a renegociação das PPPs, com a privatização da RTP, etc.

Trata-se de cobardia e não do reconhecimento (legitimo) de que estava errado.

Para o confirmar basta pensar que o Governo se prepara para simultaneamente cortar 4 mil milhões de Euros no estado social ao mesmo tempo que acaba de gastar 1.1 mil milhões de Euros para salvar da falência um banco sem relevância sistémica e continua a estudar diversas formas de gastar mais 4 mil milhões num novo banco, fundo ou linha de crédito para subsidiar investimentos geralmente inviáveis, que distorcem a concorrência ou que servem simplesmente para promover a corrupção.

Não questionamos que seja necessário reduzir o estado social, tendo mesmo no nosso livro sobre Repensar Portugal estimado uma redução em cerca de 15 mil milhões de Euros, a fasear num prazo não excessivamente longo. Também não criticamos que o Governo recorra ao FMI para lhe dar assistência técnica no estudo desses cortes.

O que não podemos aceitar é que o Governo use tais estudos como uma espécie de lebre lançada para verificar quem lhe fará mais oposição. Neste caso o FMI está a ser duplamente míope, ao deixar-se instrumentalizar para servir de bode expiatório e ao aceitar que a redução da despesa pública seja feita exclusivamente à custa dos salários e pensões.

Entretanto, deixam-se intactos os sectores oligopolistas que mais contribuíram para o despesismo e perda de competitividade de Portugal. É importante lembrar que uma simples redução de 60% nas despesas do Estado com intervenções contraproducentes na economia pouparia mais de 4 mil milhões de Euros.

Dando de barato que o montante de 4 mil milhões de cortes (i.e. 0.8 em 2013 e 3.2 em 2014) é uma primeira tranche adequada para o início da reforma do estado, e ignorando disparates como o de incluir numa das duas únicas caixas de destaque do estudo a questão de saber se a redução do abono de família afecta a fertilidade, vejamos onde o conselho do FMI está errado.

Partindo do pressuposto que o tamanho do Estado é uma questão de opção política, os autores do estudo limitaram-se à análise da equidade e eficiência da despesa. Desde logo esta premissa está errada porque não é possível propor cortes sem primeiro identificar os sectores estatais que mais “engordaram” nos últimos anos.

Depois, em sectores como a educação e a saúde, o estudo confunde o aumento do co-financiamento por parte dos utilizadores desses serviços (propinas e taxas moderadoras) com um aumento da eficiência desses serviços, quando na verdade o seu principal efeito será um desvio de comércio para sectores privados (hospitais e escolas secundárias), que fará aumentar os custos da saúde e educação tal como está amplamente demonstrado pela experiência dos Estados Unidos.

No sector da saúde a desorçamentação (transferência dos hospitais para o sector empresarial do estado) foi uma manobra de contabilidade criativa com custos muito elevados em termos de controlo financeiro e eficiência que precisa de ser corrigida, mas não basta para aumentar a eficiência no sector.

O facto de 15% dos custos salariais no estado serem constituídos por remunerações acessórias e do rácio entre trabalhadores qualificados e menos qualificados ser de apenas 1.5, são problemas que merecem ser corrigidos mas não de forma uniforme. Na verdade, a diferença entre escalões na actual tabela remunerativa é demasiado reduzida (“igualitária”) para recompensar as diferenças em termos de capital humano, responsabilidade e ambiente em que se desenrolam as actividades do sector estatal, tendo sido agravadas pelos recentes cortes salariais.

A solução proposta de reduzir os salários mais baixos entre 3 a 7%, embora eficaz sob o ponto de vista de redução da despesa, não seria suficiente nem socialmente aceitável. Parece-nos que o congelamento temporário desses salários relativamente ao salário mínimo é uma forma mais adequada de eliminar o respectivo diferencial remuneratório.

Embora entre nós o número de polícias por habitante seja excessivo quando comparado com outros países (e existam casos de evidente inutilidade nas polícias municipais e noutros sectores), não se pode ignorar que Portugal foi o país onde mais aumentou a criminalidade devido a uma política de laxismo nas penas e regime prisional e a uma adesão precipitada ao acordo de Schengen que permitiu a importação de muita criminalidade. Por isso, a redução de efectivos não deve ser feita de forma precipitada sem primeiro eliminar as causas do aumento da criminalidade.

Enfim, podíamos continuar a enumerar as limitações das propostas do FMI, nomeadamente no que concerne às pensões e segurança social, mas é desnecessário. De facto, os casos já citados mostram que um enfoque nos custos por tipo de despesa (massa salarial, pensões, etc.) em vez da aplicação de uma fórmula de corte geral nos orçamentos de cada ministério complementada por ajustamentos para definir prioridades de natureza funcional, não é equitativo nem eficiente.

O próprio FMI acaba por avalizar esta nossa opinião ao estimar que cortes de 20% nos vencimentos dos funcionários públicos e nos pensionistas apenas permitiriam reduzir a despesa pública em 7.2 mil milhões de Euros, isto é 9.3% da despesa pública primária.

Agora imagine-se qual seria o impacto de um corte adicional de mais 20% (em cima dos 24% já aplicados) aos quadros e dirigentes da função pública em termos de motivação e corrupção ou então qual seria o impacto de um corte 20% nas pensões sobre a procura interna.

Em resumo, as propostas do FMI são míopes e merecem o mesmo destino da TSU.

P.S. No que a toca a propostas concretas os cortes recomendados pelo FMI nem chegam aos 4 mil milhões, como se depreende do seguinte quadro: