Questionário

Monday 12 August 2013

Legalidade e ética nos negócios: O caso SLN/BPN

A notícia do Expresso de 10/8/2013 sobre a aquisição por Rui Machete de acções na SLN com um desconto de 54.5% relativamente ao valor pago pela FLAD (Fundação Luso Americana) a que presidia reacendeu a polémica sobre uma operação semelhante envolvendo o Presidente da República Cavaco Silva. Sem pretender alimentar a polémica, irei usar este caso para ilustrar as dificuldades na definição duma fronteira entre legalidade e ética no mundo dos negócios.

Em qualquer negócio é legítimo a cada uma das partes oferecer ou pedir contrapartidas em negócios associados. Na verdade é cada vez mais comum os vendedores oferecerem brindes ou descontos e demais incentivos para atrair compradores. Por exemplo, os jornais oferecem livros, os laboratórios farmacêuticos oferecem viagens e alguns restaurantes servem refeições gratuitas a celebridades.

Em termos económicos, tais incentivos são equivalentes a comissões ou descontos e é indiferente que sejam concedidos por iniciativa do vendedor ou por exigência do comprador. São pois legítimos e legais quando concedidos/aceites de livre vontade.

No entanto, quando esses incentivos são desproporcionais ou não revertem em favor do comprador final coloca-se o problema de saber se são eticamente aceitáveis. Por isso, qualquer juízo de valor sobre as aquisições de Cavaco Silva e Rui Machete deve ser baseado nessa perspectiva.

Em termos de proporcionalidade, é importante lembrar que a aquisição de determinados clientes ou investidores pode trazer vantagens indiscutíveis ao vendedor. Por exemplo, se a SLN/BPN estimasse que personalidades como Cavaco ou Machete lhe permitiam atrair mais 5 ou 10 investidores então faria todo o sentido que oferecesse a estes um incentivo equivalente ao que pouparia em comissões numa colocação feita através da banca (e.g. 1 a 5%). Com base nesses valores podemos considerar como razoáveis descontos entre 11 e 30%.

Assim, o desconto de 50% concedido a Cavaco Silva seria equivalente a uma comissão de 5% sobre 10 novos investidores. Embora elevado o desconto pode ser considerado aceitável se admitirmos que o seu prestigio como ex-Primeiro Ministro atrairia mais investidores. Já no caso de Rui Machete um desconto de 55.45% não pode ser considerado como razoável, excepto se admitirmos que foi uma contrapartida pelo investimento significativo feito pela FLAD na SLN/BPN.

Se foi esse o caso, então a contrapartida devia reverter para a FLAD e não para o seu Presidente. Como o não foi, a menos que a FLAD tivesse autorizado a operação, estaríamos perante não só uma imoralidade mas também uma ilegalidade. Para percebermos a gravidade da situação imagine-se que mandámos um moço fazer umas compras e o merceeiro faz-lhe um desconto mas ele não nos devolve o dinheiro. No mundo dos fundos de investimento (para estes efeitos a FLAD pode ser equiparada a um Fundo) esta apropriação indevida do dinheiro dos investidores é controlada quer proibindo os gestores de cobrar comissões nos investimentos que fazem quer regulando as situações de co-investimento para que os gestores não usufruam de condições mais favoráveis do que as dos investidores. Por isso, para ajuizar sobre a ética do negócio feito por Rui Machete é indispensável saber se o mesmo foi ou não acordado com a FLAD.

Em suma, tendo em consideração os valores publicados nos jornais, o negócio de Cavaco Silva pode ser considerado como eticamente aceitável, mas pouco escrupuloso. Já no caso de Rui Machete, se não houve um envolvimento explícito da FLAD, então o seu negócio pode ser considerado não só como eticamente reprovável mas também ilegal.

Notas: Quanto à participação de Rui Machete nos órgãos sociais da SLN/BPN a mesma é normal e razoável se feita em representação da FLAD. De facto, por razões prudenciais, qualquer investidor significativo numa empresa não cotada deve exigir um lugar nos órgãos sociais para poder acompanhar o seu investimento.
Também no que respeita ao direito de revenda, a negociação de “puts” ou “repos” é normal e desejável quando se investe em sociedades não cotados. Porém, se a remuneração garantida tiver implícita um prémio de opção muito diferente dos valores prevalentes no mercado então o excesso de remuneração deve ser adicionado ao desconto de compra.