Questionário

Tuesday 3 March 2015

Notas preliminares sobre a evolução recente da despesa pública

No início do programa de ajustamento em Portugal alertei neste post para a necessidade de corrigir a trajetória da despesa pública, em especial no que diz respeito à evolução da segurança social.

Hoje podemos fazer uma avaliação preliminar do que mudou, pois já dispomos dos dados apresentados na tabela seguinte relativos aos dois primeiros anos 2011-2012.



Relativamente aos dados de 2009 tinha estimado que os cortes necessários em pontos percentuais do PIB seriam 6.0 na proteção social, 1.8 na saúde, 1.2 na educação e 0.7 nas forças de segurança. Como podemos ver na tabela acima a proteção social aumentou 0.8, a saúde reduziu apenas 0.6, a educação baixou 1.4 e as forças segurança tiveram uma diminuição de 0.2 pontos percentuais. Entretanto, o serviço da divida aumentou 1.6 pontos percentuais.

Isto é, nos sectores onde devia ter havido ajustamento, apenas na educação as reduções de despesa atingiram (e até superaram) a correção desejável. Outros sectores também contribuíram para o ajustamento, em particular os transportes com 1.4 e a defesa com 0.9 pontos percentuais, mas tais contribuições não foram suficientes para compensar a ausência de ajustamento nos restantes sectores.

Este ajustamento desequilibrado resultou da redução da despesa ter sido feita sobretudo através dos cortes salariais e do investimento e teve custos significativos em termos de crescimento e equidade. Por exemplo, o agravar dos desequilíbrios na despesa pública ocorreu num contexto em que o PIB caiu mais de 6 mil milhões de Euros em valor nominal.

Pior ainda, a ausência de ajustamento no peso do sector social não significou que os beneficiários deste sector tenham sido protegidos, antes pelo contrário. O crescimento das despesas sociais ficou a dever-se sobretudo ao aumento extraordinário dos beneficiários resultante do empobrecimento da classe média-baixa e do aumento das reformas antecipadas.

Uma das principais explicações reside na continuação do regime de incentivos às reformas antecipadas que foram utilizados por mais de 30 mil funcionários públicos nesses dois anos. Isto é, em vez de se optar por uma política de dispensa de funcionários que devidamente apoiados rapidamente se integrariam no mercado de trabalho privado, optou-se por comprometer de forma permanente a sustentabilidade da segurança social e não se fez qualquer reforma do Estado.

Em conclusão, a redução de 4.1 pontos percentuais no peso da despesa pública (ou 5.4 se considerarmos o efeito combinado do aumento da divida e da diminuição do PIB) foi excessiva para um período de apenas dois anos. Os 8 pontos que dissemos serem necessários podiam e deviam ter sido implementados ao longo dos três anos do programa. Mas, sobretudo, foram muito menos eficazes do que teria sido um corte generalizado de 5 pontos percentuais no orçamento de cada ministério, para já não falarmos numa política de cortes seletivos direcionada para uma verdadeira reforma do Estado.

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