Os nossos governantes não se cansam de proclamar o bom desempenho das nossas exportações. Infelizmente, os números não justificam esse entusiasmo (ver tabela abaixo). Mas mesmo que o justificassem, podiam ser enganadores se considerados isoladamente.
Tal como na religião, também os recém-convertidos ao milagre das exportações enveredam pelo dogmatismo, ignorando que todas as políticas (incluindo as boas) têm as suas limitações.
Em geral, o crescimento relativo das exportações traduz um aumento da especialização da qual podem resultar benefícios significativos. Então porquê ser cético em relação ao entusiasmo dos novos convertidos? Porque as exportações e o investimento estrangeiro tanto podem ser bons como maus. O mesmo pode ser dito em relação aos chamados bens e serviços não-transacionáveis (todos aqueles que só podem ser consumidos localmente).
Pessoalmente estou à vontade para criticar a confiança cega nas exportações porque fui, provavelmente, o primeiro académico a escrever um artigo(1) propondo um modelo de crescimento baseado nas exportações. Artigo que até esteve na origem do rancor vitalício do meu “Salieri” pessoal. Mais recentemente, publiquei neste blog um modelo simples para mostrar porque é que as exportações não são todas iguais.
Porém, como distinguir as boas das más exportações? Os políticos invocam frequentemente critérios enganadores para agradar aos vários lobbies. Entre estes destacam-se o apelo à exploração dos recursos naturais, a promoção de novas tecnologias, a eficiência energética ou qualquer outro tema da moda que caia bem junto dos eleitores. Nenhum desses argumentos é suficiente para justificar o favorecimento das exportações e pode levar a políticas erradas.
No entanto, existe um critério simples e universal para avaliar as exportações. São boas todas as exportações que permitem uma remuneração elevada dos fatores (capital e trabalho) utilizados na sua produção. Podemos ilustrar esta regra através de um exemplo simples, imaginando que os Portugueses tinham de escolher entre investir numa nova fábrica de sapatos ou numa nova refinaria de petróleo cuja produção se destinava na totalidade para exportação.
A refinaria poderia exportar refinados num valor anual de mil milhões de Euros enquanto a fábrica de sapatos apenas exportaria duzentos milhões de Euros. Será que o volume de vendas é suficiente para preferirmos a refinaria? Claro que não, pois esta também teria de importar o petróleo para ser refinado. Será que se em alternativa optássemos por estimar o valor acrescentado de cada um dos investimentos já podíamos saber qual escolher? Também não!
Para percebermos o porquê, imagine-se que os dois investimentos tinham o mesmo valor acrescentado. Por exemplo, 100 milhões de Euros sendo que no caso da fábrica 30 seriam pagos ao capital e 70 ao trabalho e vice-versa na refinaria. Independentemente de ambos os investimentos gerarem o mesmo valor acrescentado, nós não os podíamos avaliar sem saber quanto é que os trabalhadores e os investidores teriam de investir nos dois casos. Imaginemos mais uma vez que os investidores na fábrica e na refinaria tinham de investir 300 e 700 milhões de Euros, respetivamente, de modo a que o seu retorno de 10% fosse igualmente idêntico. Neste caso, a vantagem relativa das duas alternativas teria de ser decidida com base na remuneração dos trabalhadores.
Se admitirmos que a fábrica emprega 4000 trabalhadores e a refinaria 1000, então a sua remuneração média mensal seria de 1250 e 2142 Euros, respetivamente. Admitamos ainda que 1250 Euros da remuneração dos trabalhadores da refinaria podia ser imputada ao seu esforço e responsabilidade mas que os restantes 892 correspondiam a um retorno (de 10%) no investimento que estes tinham efetuado na sua educação e formação. No caso da fábrica suponhamos que os trabalhadores não precisavam de formação, pelo que as remunerações finais dos fatores utilizados (capital, capital humano e trabalho) nos dois investimentos seriam idênticas.
Quer isto dizer que mesmo recorrendo à análise da remuneração relativa dos dois projetos não conseguimos escolher o melhor investimento? Neste caso extremo não, e teríamos de decidir com base na valorização relativa do maior emprego ou das melhores oportunidades para os trabalhadores rentabilizarem o seu investimento em capital humano.
No passado, esta possibilidade teórica conjuntamente com a possibilidade dos investimentos terem externalidades diferentes foram com frequência utilizadas para justificar que para além da análise financeira se fizesse também uma análise económica baseada nos chamados preços-sombra. Infelizmente, dada a dificuldade em calcular estes últimos a análise económica foi muitas vezes abusada para justificar opções desastrosas. Assim, a análise das boas e más exportações deve incidir sobre a remuneração financeira do capital e trabalho utilizados, diferenciando apenas, quando tal se justificar, a nacionalidade dos mesmos.
Embora o critério da remuneração financeira seja fácil de aplicar, a questão subsequente está em saber quem o deve aplicar e com que finalidade. Por exemplo, competirá ao governo ou a qualquer outra entidade externa decidir se é melhor a fábrica ou a refinaria? Claro que não! Isto porque num mundo ideal a concorrência entre investidores fará com que estes acabem por escolher a alternativa que assegura o melhor retorno ao capital e na maioria dos casos essa alternativa é também aquela que garante a melhor remuneração do trabalho.
Às autoridades cabe promover esse mundo ideal, isto é, velar para que não existam distorções que favoreçam as fábricas ou as refinarias nem discriminem entre investidores nacionais e estrangeiros. Se ainda assim houver casos extremos de externalidades e/ou situações de divergência entre o interesse do capital e do trabalho, o seu papel deve limitar-se a só corrigir tais situações quando as mesmas não causarem novas distorções. Por exemplo, promovendo a formação do capital humano em geral ou infraestruturas ambientais.
Em conclusão, as autoridades deverão usar a rendibilidade do capital e do trabalho nacionais incorporados nas exportações para monitorizar a sua evolução e ajuizar sobre a sua maior ou menor valia. Mas, não devem “embandeirar em arco” em relação ao seu crescimento em valor nem tentar orientar a alocação de capital entre o sector dos bens transacionáveis e o dos não-transacionáveis correndo o risco de escolher gato por lebre.
(1) Marques Mendes, A. 1988. "The case for export-led growth", Estudos de Economia 9, 1: 33 - 41
Monday, 20 January 2014
O dogmatismo dos “recém-convertidos” às exportações
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