A recente saga em torno da nomeação do novo Conselho de Administração da CGD ilustra na perfeição o drama geral da sociedade Portuguesa, onde algumas raposas matreiras assaltam frequentemente a capoeira beneficiando da estupidez e conivência dos guardas da capoeira (leia-se dos governantes) perante a ingenuidade dos donos da capoeira (leia-se os contribuintes).
Comecemos pela ingenuidade de um povo que ainda acredita na necessidade de um banco público. No passado os bancos públicos tiveram uma boa razão de ser como instrumento para garantir as poupanças dos pequenos aforradores e facilitar o financiamento público. Mas esse passado foi nos finais do século XIX e princípios do século XX. No século XXI a regulação bancária e o seguro de depósitos obrigatório protegem os pequenos aforradores e os governos financiam-se sobretudo nos mercados.
Passemos ao papel dos guardas da capoeira (governos e reguladores) na gestão dos bancos públicos. Havendo bancos públicos é óbvio que os governos devem exercer o seu controlo. Porém, esse controlo só existirá se o Primeiro-ministro se envolver diretamente no seu acompanhamento. Nesta matéria, António Costa faria bem em aprender com Salazar. Quando em 1931 Salazar se deparou com a crise do BNU o que fez foi substituir João Ulrich (o indispensável da época, não o atual) por um banqueiro profissional e nomear um outro membro da comissão executiva para o manter informado sobre a evolução do banco. Porém, recusou-lhe a veleidade de ascender a presidente ou de se imiscuir nos negócios do banco. Salazar não precisava de 19 administradores para controlar um banco intervencionado pelo Estado.
António Costa não percebeu que a CGD não é a CML, onde pode nomear dezenas de assessores para fidelizar clientelas sem que isso fizesse perigar a solvabilidade da Câmara uma vez que esta teria sempre como salvador de última instância o Estado. A ideia, tão generalizada entre nós, de que se pode transformar os conselhos de administração dos bancos em sinecuras destinadas a apoiantes políticos é uma perversão da função das sinecuras e um perigo sério para as decisões de crédito dos bancos.
As decisões de crédito necessitam de grande independência e por isso não podem ser influenciadas pelos clientes ou seus representantes. A ideia de encher as administrações dos bancos com administradores não-executivos para facilitar as relações com os clientes e os políticos acaba sempre mal e é desastrosa, sobretudo em bancos mal capitalizados como são os nossos.
E, aqui chegamos ao problema das raposas. Porque é que a banca portuguesa está cronicamente descapitalizada, não atrai e afasta mesmo os bancos internacionais com reputação? Porque nasceu com pouco capital e uma estrutura acionista assente em clientes. A ideia peregrina de juntar dois ou três empresários para criar um banco e usar as poupanças dos restantes clientes e depositantes para financiar os negócios desses empresários só resulta enquanto estes correm bem. Porém, à primeira dificuldade, estes tratam de transferir os prejuízos para o banco. Este modelo bancário tem falhado em todo o mundo desde a Rússia até à América Latina e continuará a falhar com a sem ajuda estatal. Chega sempre uma altura em que já não há mais galinhas na capoeira para sustentar a voracidade das raposas.
Os bancos para serem eficazes têm de ser controlados por acionistas com um interesse meramente financeiro no banco, isto é, sobretudo investidores institucionais apenas interessados na rendibilidade e solvabilidade dos bancos. Mas aqui encontramos o velho problema da pescadinha de rabo na boca. Os investidores institucionais em Portugal (nomeadamente os fundos de pensões e as seguradoras) são quase todos controlados pelos próprios bancos ou pelo governo.
Como é que chegámos a esta situação? Porque ao longo dos anos os políticos tudo fizeram para manter o mercado de investimento no controlo dos bancos. Este conluio entre as raposas e os guardas da capoeira está finalmente a ser posto em causa graças aos efeitos da União Bancária a que Portugal aderiu por ser membro da zona Euro.
Quer isto dizer que com a nossa participação na União Bancária os problemas da CGD vão acabar? Claro que não! Um banco com atividade significativa no crédito às empresas nunca será imune a favores enquanto tiver como acionistas de controlo o estado ou os seus clientes.
Só há duas saídas limpas para a CGD, a sua venda a um banco internacional com reputação (como já aqui advogámos) ou o regresso às suas origens de banco de poupança.
Se por qualquer idiossincrasia dos Portugueses este continuarem a desejar um banco público, então a CGD deverá alienar o financiamento às empresas ficando apenas como banco de poupança e crédito imobiliário aos particulares.
De outro modo, os prejuízos continuarão a ser recorrentes e voltarão a ser suportados pelos contribuintes. Como dizia uma velha senhora, o socialismo só terminará no dia em que acabar o dinheiro dos outros! Infelizmente, como a experiência da Venezuela comprova isso pode demorar muitos anos e causar miséria inimaginável.
Sunday, 21 August 2016
As raposas, os guardas da capoeira e os ingénuos no caso da CGD
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