Questionário

Sunday 17 October 2010

Problemas da democracia representativa em Portugal: (2) Serviço público ou profissionalização dos deputados?

O estatuto remuneratório dos deputados divide os Portugueses em dois campos opostos. Uma maioria (populista?) entende que os deputados ganham de mais para as qualificações que têm e para aquilo que fazem. Uma minoria (tecnocrática?) defende que eles deviam ser mais bem pagos para atrair pessoas mais capazes ao Parlamento. Ambas as posições estão erradas se ignorarmos qual deve ser a função dos deputados, nomeadamente se é uma função executiva ou não executiva. Vejamos primeiro os factos.

Durante todo período posterior ao 25 de Abril o vencimento dos deputados manteve-se fixo em 50% do vencimento do Presidente da República. Em 2008 a remuneração dos deputados era equivalente a cerca de 9 salários mínimos. Quando comparada à dos quadros superiores das empresas e do Estado, a sua remuneração é relativamente modesta sobretudo para os deputados que tenham uma formação equivalente. Em termos relativos tem vindo mesmo a piorara. Isto porque, em 1984 o Presidente ganhava 25.6 salários mínimos mas em 2008 já só recebia 17.4 salários mínimos.

Porém as remunerações complementares e acessórias dos deputados já não podem ser consideradas modestas. Por exemplo, as suas pensões de reforma começam a ser recebidas antes de atingirem os 65 anos de idade (no passado, um deputado eleito aos 18 anos podia mesmo começar a receber uma reforma com apenas 26 anos de idade!). Hoje, apesar das correcções feitas nos últimos anos, o seu valor ainda continua a ser escandalosamente generoso. De igual modo os abonos e subvenções têm crescido de forma excessiva. Com valores modestos em 1984, representam hoje mais de 50% do vencimento base dos deputados.

Independentemente do juízo de valor possamos fazer sobre os valores actuais, é importante relembrar que a remuneração dos detentores de cargos políticos pode ser definida de acordo com dois critérios diametralmente opostos: usando o princípio do serviço público ou o princípio da profissionalização.

No passado, prevalecia o primeiro e entendia-se que o serviço público era uma forma de voluntariado que devia receber apenas o reembolso de despesas efectuadas e uma remuneração simbólica. Na actualidade, as funções não executivas (como as exercidas pelos deputados), passaram a ser exercidas a tempo inteiro e na maioria dos casos mesmo de forma exclusiva. Se esta tendência for considerada desejável, então as suas remunerações devem ser comparáveis às dos funcionários públicos e deverão ter em consideração as respectivas habilitações e grau de responsabilidade.

As duas modalidades de exercício do cargo são teoricamente aceitáveis se forem escolhidas de forma consistente e forem coerentes com o modelo de democracia representativa. Porém, para escolher entre elas é necessário saber qual serve melhor o princípio da representatividade. E isso requer uma ponderação cuidada dos círculos eleitorais no que respeita à sua base geográfica e ao grau de proporcionalidade na representação dos eleitores bem como à definição dos cargos políticos (no Estado e nos Organismos Autónomos) que devem ser preenchidos por representantes eleitos.

Por exemplo, deverão os membros do Governo ser obrigatoriamente deputados? A nossa constituição não o exige, e o resultado tem sido péssimo, a dois níveis – a qualidade dos governantes e a falta de representatividade do parlamento.

Entre nós o Primeiro-ministro não é necessariamente um deputado eleito e tem total discricionariedade para recrutar os seus ministros e “boys” como quiser. Em tal sistema a qualidade dos governantes que ocupam os milhares de cargos políticos sem eleição varia ao sabor do despotismo iluminado ou obtuso do primeiro-ministro. Para se ter uma ideia do resultado actual observe-se o elenco de secretários de estado, muitas vezes recrutados entre jovens estagiários das juventudes partidárias ou entre os lobbies dos interesses sectoriais.

Finalmente, o debate sobre as vantagens e inconvenientes da profissionalização dos cargos políticos não executivos não é dissociável do debate sobre o grau de independência que deve ser assegurada aos funcionários públicos. E, em particular, ao processo de selecção, promoção e atribuição de poderes aos seus dirigentes.

Para ilustrar a importância destas opções basta contrastar os modelos típicos de gestão dos municípios antes e depois do 25 de Abril. Antes o modelo assentava num Presidente que ia à Câmara Municipal uma ou duas horas no final do dia para despachar com o Chefe de Secretaria. Hoje constatamos que qualquer pequeno município tem a tempo inteiro não só o Presidente mas também vários vereadores, assessores e presidentes de junta de freguesia que inevitavelmente acabam por se sobrepor e desautorizar as chefias superiores e intermédias.

Igualmente relevante é o custo das instituições democráticas que deve ser moderado. Também por esta razão a nossa preferência vai para uma remuneração baseada nos ideais de serviço público. Em consonância, sugerimos que o vencimento base dos deputados seja simbólico. Por exemplo, um valor na ordem de 30% do vencimento do Presidente da República parece-nos razoável. Esta remuneração permitiria aumentar o número de deputados para 300 e simultaneamente reduzir o orçamento total da AR (excluindo as subvenções aos partidos e campanhas eleitorais) em cerca de 5%.

Nota final: está a decorrer uma petição online para propor uma redução do número de deputados, por isso promovemos também uma petição alternativa defendendo que haja um aumento significativo do número de deputados de forma a promover um debate mais esclarecido sobre esta questão.

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