Em Portugal existe um consenso alargado sobre a baixa qualidade dos deputados à Assembleia da República. Na lista de medidas propostas para resolver o problema surge invariavelmente a proposta de reduzir o número de deputados e/ou aumentar o seu vencimento de forma a atrair pessoas mais capazes. No entanto quer a prática quer a teoria mostram que tais medidas não só foram ineficazes como têm vindo a destruir o princípio básico da representatividade dos eleitos. Vejamos porquê.
Para verificarmos que é ineficaz basta recordar que essa via tem sido seguida em Portugal, com os resultados que estão á vista. De facto a primeira legislatura da 3ª Republica iniciou-se em 1976 com 263 deputados, cujo número foi reduzido para 250 em 1979 e posteriormente, em 1991, foi novamente reduzido para os actuais 230 deputados.
Para definir o número adequado de deputados, respeitando o equilíbrio entre os princípios da proporcionalidade e da eficácia, temos ponderar a natureza da constituição e do sistema eleitoral dos diferentes regimes políticos. Tal exige um debate prévio e esclarecido sobre a função dos deputados e sobre as múltiplas opções consistentes com um regime representativo. Para ilustrar as questões que é preciso debater referimos apenas 4 exemplos: a eleição ou não dos membros do executivo, a definição de círculos eleitorais, o papel da democracia directa e a profissionalização dos cargos políticos.
Pessoalmente, ponderados os perigos da democracia directa, defendemos a responsabilização individual dos políticos, predominantemente não profissionais, e imbuídos de espírito de serviço público. Por isso, advogamos que haja simultaneamente um aumento significativo do número de deputados e uma diminuição também significativa da sua remuneração.
Se considerarmos que existem em Portugal 9 milhões de eleitores e que um deputado poderá representar adequadamente entre 15 a 30 mil eleitores então o seu número devia situar-se entre 300 e 600. Provavelmente um número intermédio será mais adequado, mas deixamos isso para um estudo mais aprofundado. O que podemos fazer desde já é contrastar estes valores com o número médio de 42 mil eleitores representado hoje por cada deputado.
Se compararmos este número com outros países Europeus de dimensão populacional semelhante constatamos que Portugal está no grupo de 3 países com menor número de deputados (República Checa, Bélgica e Portugal) e que esse número é bastante inferior à média dos países com maior número de deputados (Hungria, Suécia e Grécia).
Comparando o número de deputados com outros profissionais, também constatamos que há em Portugal 273 habitantes por médico, 384 habitantes para cada advogado, 1761 habitantes por dentista e 6211 habitantes por cada magistrado judicial.
De igual modo, confrontando com as empresas privadas, verificamos que o BCP tem 14400 accionistas por cada administrador não executivo e o BPI tem 1100 accionistas por cada administrador não executivo.
Quaisquer que sejam os referenciais que usemos para fazer comparações não restam dúvidas de que existe um défice e não um excesso de deputados em Portugal. Por isso, para contradizer uma petição online para reduzir o número de deputados promovemos a nossa própria petição para aumentar o número de deputados.
Porém, desde já alertamos o facto de não ser possível definir o número desejável de deputados sem debater de forma serena e esclarecida o seu estatuto profissional e o modelo de representatividade que queremos para Portugal – temas que discutimos nos textos que se seguem.
Nota final: está a decorrer uma petição online para propor uma redução do número de deputados, por isso promovemos também uma petição alternativa defendendo que haja um aumento significativo do número de deputados de forma a promover um debate mais esclarecido sobre esta questão.
Sunday, 17 October 2010
Problemas da democracia representativa em Portugal: (1) Excesso ou falta de deputados?
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Problemas da democracia representativa em Portugal: (2) Serviço público ou profissionalização dos deputados?
O estatuto remuneratório dos deputados divide os Portugueses em dois campos opostos. Uma maioria (populista?) entende que os deputados ganham de mais para as qualificações que têm e para aquilo que fazem. Uma minoria (tecnocrática?) defende que eles deviam ser mais bem pagos para atrair pessoas mais capazes ao Parlamento. Ambas as posições estão erradas se ignorarmos qual deve ser a função dos deputados, nomeadamente se é uma função executiva ou não executiva. Vejamos primeiro os factos.
Durante todo período posterior ao 25 de Abril o vencimento dos deputados manteve-se fixo em 50% do vencimento do Presidente da República. Em 2008 a remuneração dos deputados era equivalente a cerca de 9 salários mínimos. Quando comparada à dos quadros superiores das empresas e do Estado, a sua remuneração é relativamente modesta sobretudo para os deputados que tenham uma formação equivalente. Em termos relativos tem vindo mesmo a piorara. Isto porque, em 1984 o Presidente ganhava 25.6 salários mínimos mas em 2008 já só recebia 17.4 salários mínimos.
Porém as remunerações complementares e acessórias dos deputados já não podem ser consideradas modestas. Por exemplo, as suas pensões de reforma começam a ser recebidas antes de atingirem os 65 anos de idade (no passado, um deputado eleito aos 18 anos podia mesmo começar a receber uma reforma com apenas 26 anos de idade!). Hoje, apesar das correcções feitas nos últimos anos, o seu valor ainda continua a ser escandalosamente generoso. De igual modo os abonos e subvenções têm crescido de forma excessiva. Com valores modestos em 1984, representam hoje mais de 50% do vencimento base dos deputados.
Independentemente do juízo de valor possamos fazer sobre os valores actuais, é importante relembrar que a remuneração dos detentores de cargos políticos pode ser definida de acordo com dois critérios diametralmente opostos: usando o princípio do serviço público ou o princípio da profissionalização.
No passado, prevalecia o primeiro e entendia-se que o serviço público era uma forma de voluntariado que devia receber apenas o reembolso de despesas efectuadas e uma remuneração simbólica. Na actualidade, as funções não executivas (como as exercidas pelos deputados), passaram a ser exercidas a tempo inteiro e na maioria dos casos mesmo de forma exclusiva. Se esta tendência for considerada desejável, então as suas remunerações devem ser comparáveis às dos funcionários públicos e deverão ter em consideração as respectivas habilitações e grau de responsabilidade.
As duas modalidades de exercício do cargo são teoricamente aceitáveis se forem escolhidas de forma consistente e forem coerentes com o modelo de democracia representativa. Porém, para escolher entre elas é necessário saber qual serve melhor o princípio da representatividade. E isso requer uma ponderação cuidada dos círculos eleitorais no que respeita à sua base geográfica e ao grau de proporcionalidade na representação dos eleitores bem como à definição dos cargos políticos (no Estado e nos Organismos Autónomos) que devem ser preenchidos por representantes eleitos.
Por exemplo, deverão os membros do Governo ser obrigatoriamente deputados? A nossa constituição não o exige, e o resultado tem sido péssimo, a dois níveis – a qualidade dos governantes e a falta de representatividade do parlamento.
Entre nós o Primeiro-ministro não é necessariamente um deputado eleito e tem total discricionariedade para recrutar os seus ministros e “boys” como quiser. Em tal sistema a qualidade dos governantes que ocupam os milhares de cargos políticos sem eleição varia ao sabor do despotismo iluminado ou obtuso do primeiro-ministro. Para se ter uma ideia do resultado actual observe-se o elenco de secretários de estado, muitas vezes recrutados entre jovens estagiários das juventudes partidárias ou entre os lobbies dos interesses sectoriais.
Finalmente, o debate sobre as vantagens e inconvenientes da profissionalização dos cargos políticos não executivos não é dissociável do debate sobre o grau de independência que deve ser assegurada aos funcionários públicos. E, em particular, ao processo de selecção, promoção e atribuição de poderes aos seus dirigentes.
Para ilustrar a importância destas opções basta contrastar os modelos típicos de gestão dos municípios antes e depois do 25 de Abril. Antes o modelo assentava num Presidente que ia à Câmara Municipal uma ou duas horas no final do dia para despachar com o Chefe de Secretaria. Hoje constatamos que qualquer pequeno município tem a tempo inteiro não só o Presidente mas também vários vereadores, assessores e presidentes de junta de freguesia que inevitavelmente acabam por se sobrepor e desautorizar as chefias superiores e intermédias.
Igualmente relevante é o custo das instituições democráticas que deve ser moderado. Também por esta razão a nossa preferência vai para uma remuneração baseada nos ideais de serviço público. Em consonância, sugerimos que o vencimento base dos deputados seja simbólico. Por exemplo, um valor na ordem de 30% do vencimento do Presidente da República parece-nos razoável. Esta remuneração permitiria aumentar o número de deputados para 300 e simultaneamente reduzir o orçamento total da AR (excluindo as subvenções aos partidos e campanhas eleitorais) em cerca de 5%.
Nota final: está a decorrer uma petição online para propor uma redução do número de deputados, por isso promovemos também uma petição alternativa defendendo que haja um aumento significativo do número de deputados de forma a promover um debate mais esclarecido sobre esta questão.
Durante todo período posterior ao 25 de Abril o vencimento dos deputados manteve-se fixo em 50% do vencimento do Presidente da República. Em 2008 a remuneração dos deputados era equivalente a cerca de 9 salários mínimos. Quando comparada à dos quadros superiores das empresas e do Estado, a sua remuneração é relativamente modesta sobretudo para os deputados que tenham uma formação equivalente. Em termos relativos tem vindo mesmo a piorara. Isto porque, em 1984 o Presidente ganhava 25.6 salários mínimos mas em 2008 já só recebia 17.4 salários mínimos.
Porém as remunerações complementares e acessórias dos deputados já não podem ser consideradas modestas. Por exemplo, as suas pensões de reforma começam a ser recebidas antes de atingirem os 65 anos de idade (no passado, um deputado eleito aos 18 anos podia mesmo começar a receber uma reforma com apenas 26 anos de idade!). Hoje, apesar das correcções feitas nos últimos anos, o seu valor ainda continua a ser escandalosamente generoso. De igual modo os abonos e subvenções têm crescido de forma excessiva. Com valores modestos em 1984, representam hoje mais de 50% do vencimento base dos deputados.
Independentemente do juízo de valor possamos fazer sobre os valores actuais, é importante relembrar que a remuneração dos detentores de cargos políticos pode ser definida de acordo com dois critérios diametralmente opostos: usando o princípio do serviço público ou o princípio da profissionalização.
No passado, prevalecia o primeiro e entendia-se que o serviço público era uma forma de voluntariado que devia receber apenas o reembolso de despesas efectuadas e uma remuneração simbólica. Na actualidade, as funções não executivas (como as exercidas pelos deputados), passaram a ser exercidas a tempo inteiro e na maioria dos casos mesmo de forma exclusiva. Se esta tendência for considerada desejável, então as suas remunerações devem ser comparáveis às dos funcionários públicos e deverão ter em consideração as respectivas habilitações e grau de responsabilidade.
As duas modalidades de exercício do cargo são teoricamente aceitáveis se forem escolhidas de forma consistente e forem coerentes com o modelo de democracia representativa. Porém, para escolher entre elas é necessário saber qual serve melhor o princípio da representatividade. E isso requer uma ponderação cuidada dos círculos eleitorais no que respeita à sua base geográfica e ao grau de proporcionalidade na representação dos eleitores bem como à definição dos cargos políticos (no Estado e nos Organismos Autónomos) que devem ser preenchidos por representantes eleitos.
Por exemplo, deverão os membros do Governo ser obrigatoriamente deputados? A nossa constituição não o exige, e o resultado tem sido péssimo, a dois níveis – a qualidade dos governantes e a falta de representatividade do parlamento.
Entre nós o Primeiro-ministro não é necessariamente um deputado eleito e tem total discricionariedade para recrutar os seus ministros e “boys” como quiser. Em tal sistema a qualidade dos governantes que ocupam os milhares de cargos políticos sem eleição varia ao sabor do despotismo iluminado ou obtuso do primeiro-ministro. Para se ter uma ideia do resultado actual observe-se o elenco de secretários de estado, muitas vezes recrutados entre jovens estagiários das juventudes partidárias ou entre os lobbies dos interesses sectoriais.
Finalmente, o debate sobre as vantagens e inconvenientes da profissionalização dos cargos políticos não executivos não é dissociável do debate sobre o grau de independência que deve ser assegurada aos funcionários públicos. E, em particular, ao processo de selecção, promoção e atribuição de poderes aos seus dirigentes.
Para ilustrar a importância destas opções basta contrastar os modelos típicos de gestão dos municípios antes e depois do 25 de Abril. Antes o modelo assentava num Presidente que ia à Câmara Municipal uma ou duas horas no final do dia para despachar com o Chefe de Secretaria. Hoje constatamos que qualquer pequeno município tem a tempo inteiro não só o Presidente mas também vários vereadores, assessores e presidentes de junta de freguesia que inevitavelmente acabam por se sobrepor e desautorizar as chefias superiores e intermédias.
Igualmente relevante é o custo das instituições democráticas que deve ser moderado. Também por esta razão a nossa preferência vai para uma remuneração baseada nos ideais de serviço público. Em consonância, sugerimos que o vencimento base dos deputados seja simbólico. Por exemplo, um valor na ordem de 30% do vencimento do Presidente da República parece-nos razoável. Esta remuneração permitiria aumentar o número de deputados para 300 e simultaneamente reduzir o orçamento total da AR (excluindo as subvenções aos partidos e campanhas eleitorais) em cerca de 5%.
Nota final: está a decorrer uma petição online para propor uma redução do número de deputados, por isso promovemos também uma petição alternativa defendendo que haja um aumento significativo do número de deputados de forma a promover um debate mais esclarecido sobre esta questão.
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Problemas da democracia representativa em Portugal: (3) Votar nos partidos ou nos deputados?
O fosso entre eleitores e políticos é hoje cada vez maior. Uma das causas está no facto dos partidos se assemelharem cada vez mais a sociedades secretas de interesses encobertos. Porém, a causa mais profunda está no facto dos eleitores não se reverem nos deputados eleitos. Por exemplo, você sabe o nome dos deputados que o representam? Eu não!
Quando recentemente visitei o portal da Assembleia da República para saber quem são os deputados que me representam tive uma prova evidente da falta de representatividade do sistema parlamentar em Portugal. O meu círculo eleitoral é o que elegeu o actual Primeiro-Ministro - Castelo Branco. Apesar de este distrito eleger apenas 4 deputados, constatei que nenhum dos membros actualmente presentes na Assembleia da Republica em representação do distrito foi eleito directamente. Entretanto, em apenas um ano, o número de deputados que passaram pela AR e ocuparam esses 4 lugares já vai em 11 pessoas. É por isso legítimo questionar a representatividade dessas pessoas.
Entre nós, a representatividade do Parlamento está limitada por duas causas fundamentais: a falta de transparência na escolha dos candidatos apresentados pelos partidos e pela sua substituição frequente ao sabor dos interesses pessoais e partidários. Serão tais práticas aceitáveis à luz dos princípios básicos da representatividade eleitoral?
O princípio da representatividade não se esgota na maior ou menor proporcionalidade entre o número de votos e o número de mandatos, nem na proporcionalidade entre o número de deputados e o número de eleitores. Hoje ouvimos frequentemente criticar o facto de o parlamento não ser representativo em relação a determinados grupos. Nomeadamente, grupos baseados no sexo, profissão, religião ou qualquer outro juízo pessoal (por exemplo riqueza, educação, idade ou raça) ou critério colectivo (por exemplo tribo, classe social ou clube).
Na verdade, abusando da pretensa legitimidade da representatividade dos grupos, alguns lobbies mais activos têm vindo de forma sub-reptícia a reforçar o número dos seus representantes. Por exemplo, em Portugal, usou-se o expediente da lei sobre a constituição das listas eleitorais para reforçar a presença de mulheres no parlamento.
No entanto, os interesses de grupos específicos, mesmo quando socialmente justificáveis, não se podem sobrepor aos indivíduos sob pena de se violarem as regras básicas da representatividade e igualdade num sistema de sufrágio individual e universal.
Será que não é o próprio princípio da democracia representativa que está em causa? De facto, é cada vez mais frequente o apelo a formas de democracia directa, em particular aos referendos e petições. Tal acontece apesar da história nos mostrar abundantemente que a democracia directa é um perigo para a verdadeira democracia, uma vez que é facilmente manipulada por demagogos e acaba quase sempre em ditadura. No entanto, não podemos ignorar que hoje o progresso nas tecnologias de informação já permitiria aos eleitores representarem-se a si próprios sem grande incómodo e sem necessidade de intermediários.
Na verdade, as únicas limitações legítimas à regra da representatividade individual só podem justificar-se por razões de eficácia. Por isso, é fácil perceber que um parlamento com apenas meia dúzia de deputados não pode ser considerado representativo. Mas, de igual modo, um parlamento com milhares de deputados não pode deliberar sobre nada e perde a sua representatividade. Como demonstração suficiente do segundo problema basta relembrar o caso das supostas democracias populares nos países comunistas.
De igual modo, a escolha de um ou vários candidatos, numa ou várias voltas, usando métodos mais ou menos proporcionais, não é justificação para delegar em grupos um direito que é necessariamente individual. Este princípio da intransmissibilidade deste direito individual aplica-se também aos partidos políticos, independentemente de os considerarmos como associações de eleitores que partilham os mesmos ideias ou apenas como um grupo de interesses igual a qualquer outro.
Em conclusão, para assegurar a representatividade dos deputados eleitos, não basta que se facilite a apresentação de candidaturas independentes dos partidos ou sistemas de listas abertas. O princípio fundamental que legitima os eleitos é o facto de estes serem inamovíveis e apenas poderem ser substituídos por nova eleição e não por suplentes escolhidos por directórios partidários.
Nota final: está a decorrer uma petição online para propor uma redução do número de deputados, por isso promovemos também uma petição alternativa defendendo que haja um aumento significativo do número de deputados de forma a promover um debate mais esclarecido sobre esta questão.
Quando recentemente visitei o portal da Assembleia da República para saber quem são os deputados que me representam tive uma prova evidente da falta de representatividade do sistema parlamentar em Portugal. O meu círculo eleitoral é o que elegeu o actual Primeiro-Ministro - Castelo Branco. Apesar de este distrito eleger apenas 4 deputados, constatei que nenhum dos membros actualmente presentes na Assembleia da Republica em representação do distrito foi eleito directamente. Entretanto, em apenas um ano, o número de deputados que passaram pela AR e ocuparam esses 4 lugares já vai em 11 pessoas. É por isso legítimo questionar a representatividade dessas pessoas.
Entre nós, a representatividade do Parlamento está limitada por duas causas fundamentais: a falta de transparência na escolha dos candidatos apresentados pelos partidos e pela sua substituição frequente ao sabor dos interesses pessoais e partidários. Serão tais práticas aceitáveis à luz dos princípios básicos da representatividade eleitoral?
O princípio da representatividade não se esgota na maior ou menor proporcionalidade entre o número de votos e o número de mandatos, nem na proporcionalidade entre o número de deputados e o número de eleitores. Hoje ouvimos frequentemente criticar o facto de o parlamento não ser representativo em relação a determinados grupos. Nomeadamente, grupos baseados no sexo, profissão, religião ou qualquer outro juízo pessoal (por exemplo riqueza, educação, idade ou raça) ou critério colectivo (por exemplo tribo, classe social ou clube).
Na verdade, abusando da pretensa legitimidade da representatividade dos grupos, alguns lobbies mais activos têm vindo de forma sub-reptícia a reforçar o número dos seus representantes. Por exemplo, em Portugal, usou-se o expediente da lei sobre a constituição das listas eleitorais para reforçar a presença de mulheres no parlamento.
No entanto, os interesses de grupos específicos, mesmo quando socialmente justificáveis, não se podem sobrepor aos indivíduos sob pena de se violarem as regras básicas da representatividade e igualdade num sistema de sufrágio individual e universal.
Será que não é o próprio princípio da democracia representativa que está em causa? De facto, é cada vez mais frequente o apelo a formas de democracia directa, em particular aos referendos e petições. Tal acontece apesar da história nos mostrar abundantemente que a democracia directa é um perigo para a verdadeira democracia, uma vez que é facilmente manipulada por demagogos e acaba quase sempre em ditadura. No entanto, não podemos ignorar que hoje o progresso nas tecnologias de informação já permitiria aos eleitores representarem-se a si próprios sem grande incómodo e sem necessidade de intermediários.
Na verdade, as únicas limitações legítimas à regra da representatividade individual só podem justificar-se por razões de eficácia. Por isso, é fácil perceber que um parlamento com apenas meia dúzia de deputados não pode ser considerado representativo. Mas, de igual modo, um parlamento com milhares de deputados não pode deliberar sobre nada e perde a sua representatividade. Como demonstração suficiente do segundo problema basta relembrar o caso das supostas democracias populares nos países comunistas.
De igual modo, a escolha de um ou vários candidatos, numa ou várias voltas, usando métodos mais ou menos proporcionais, não é justificação para delegar em grupos um direito que é necessariamente individual. Este princípio da intransmissibilidade deste direito individual aplica-se também aos partidos políticos, independentemente de os considerarmos como associações de eleitores que partilham os mesmos ideias ou apenas como um grupo de interesses igual a qualquer outro.
Em conclusão, para assegurar a representatividade dos deputados eleitos, não basta que se facilite a apresentação de candidaturas independentes dos partidos ou sistemas de listas abertas. O princípio fundamental que legitima os eleitos é o facto de estes serem inamovíveis e apenas poderem ser substituídos por nova eleição e não por suplentes escolhidos por directórios partidários.
Nota final: está a decorrer uma petição online para propor uma redução do número de deputados, por isso promovemos também uma petição alternativa defendendo que haja um aumento significativo do número de deputados de forma a promover um debate mais esclarecido sobre esta questão.
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Problemas da democracia representativa em Portugal: (4) Círculos eleitorais ou administrativos?
A procura de representatividade pressupõe um debate ponderado sobre o sistema eleitoral. Dois aspectos controversos neste domínio dizem respeito à sua definição geográfica (com base em critérios administrativos, regionais ou populacionais) e aos sistemas de votação (por exemplo sistemas proporcionais ou mistos, e constituição de listas fechadas ou abertas).
Representatividade requer proximidade. Mas as exigências de proximidade variam com o objectivo da representação, que pode ser de causas locais ou universais. Por isso, a definição do número desejável de deputados não é separável da forma como se organizam os círculos e listas eleitorais.
Imagine-se por exemplo que é consensual que um deputado deve representar um mínimo de 15 mil eleitores mas não mais do que 30 mil eleitores. Se, como acontece em Portugal as listas forem constituídas por vários candidatos, por exemplo um mínimo de 5 candidatos, então o círculo eleitoral deve ter um número de eleitores entre 75 e 150 mil eleitores. No entanto, em Inglaterra, onde se usa o sistema de candidato único, cada círculo eleitoral teria um número de eleitores entre 15 e 30 mil. As consequências em termos de conversão da proporção de votos em proporção dos mandatos seriam substancialmente diferentes apesar de nos dois países o voto ser um direito universal.
Em Portugal, um dos signatários da petição online em curso para reduzir o número de deputados diz: “Queremos Deputados profissionais e que representem as suas regiões”. Se o levássemos à letra, bastava ter três deputados, pois o país só tem três regiões – Continente, Açores e Madeira. Admitindo que estava a referir-se aos distritos elegeriam apenas 18 deputados, mas se pensava nos Municípios já teríamos 308 deputados, um número muito superior aos 180 que o subscritor da petição advoga. Se pensava nas Juntas de Freguesia teríamos 4240 deputados, um número claramente excessivo.
Em qualquer dos casos escolher só um representante por cada unidade administrativa existente em Portugal nunca seria representativo. Por exemplo, usando os municípios como base os 337 eleitores no concelho do Corvo nos Açores elegeriam um deputado enquanto os 513931 eleitores de Lisboa elegeriam igualmente um único deputado.
A escolha de outras unidades geográficas alternativas, nomeadamente paróquias, comarcas ou NUTs III também não é uma solução para a definição do número desejável de deputados. Isto porque os graus de proporcionalidade inferiores a cem (com ou sem método de Hondt) têm de ser justificados por critérios transparentes como o grau de dispersão geográfica, as acessibilidades de transporte ou o número de câmaras legislativas previstas no sistema constitucional.
Concluindo, os círculos eleitorais devem definidos com base em critérios de representatividade e não administrativos. Porém, a sua definição deve ter em conta não só o número total de deputados mas também o sistema de votação desejado.
Nota final: está a decorrer uma petição online para propor uma redução do número de deputados, por isso promovemos também uma petição alternativa defendendo que haja um aumento significativo do número de deputados de forma a promover um debate mais esclarecido sobre esta questão.
Representatividade requer proximidade. Mas as exigências de proximidade variam com o objectivo da representação, que pode ser de causas locais ou universais. Por isso, a definição do número desejável de deputados não é separável da forma como se organizam os círculos e listas eleitorais.
Imagine-se por exemplo que é consensual que um deputado deve representar um mínimo de 15 mil eleitores mas não mais do que 30 mil eleitores. Se, como acontece em Portugal as listas forem constituídas por vários candidatos, por exemplo um mínimo de 5 candidatos, então o círculo eleitoral deve ter um número de eleitores entre 75 e 150 mil eleitores. No entanto, em Inglaterra, onde se usa o sistema de candidato único, cada círculo eleitoral teria um número de eleitores entre 15 e 30 mil. As consequências em termos de conversão da proporção de votos em proporção dos mandatos seriam substancialmente diferentes apesar de nos dois países o voto ser um direito universal.
Em Portugal, um dos signatários da petição online em curso para reduzir o número de deputados diz: “Queremos Deputados profissionais e que representem as suas regiões”. Se o levássemos à letra, bastava ter três deputados, pois o país só tem três regiões – Continente, Açores e Madeira. Admitindo que estava a referir-se aos distritos elegeriam apenas 18 deputados, mas se pensava nos Municípios já teríamos 308 deputados, um número muito superior aos 180 que o subscritor da petição advoga. Se pensava nas Juntas de Freguesia teríamos 4240 deputados, um número claramente excessivo.
Em qualquer dos casos escolher só um representante por cada unidade administrativa existente em Portugal nunca seria representativo. Por exemplo, usando os municípios como base os 337 eleitores no concelho do Corvo nos Açores elegeriam um deputado enquanto os 513931 eleitores de Lisboa elegeriam igualmente um único deputado.
A escolha de outras unidades geográficas alternativas, nomeadamente paróquias, comarcas ou NUTs III também não é uma solução para a definição do número desejável de deputados. Isto porque os graus de proporcionalidade inferiores a cem (com ou sem método de Hondt) têm de ser justificados por critérios transparentes como o grau de dispersão geográfica, as acessibilidades de transporte ou o número de câmaras legislativas previstas no sistema constitucional.
Concluindo, os círculos eleitorais devem definidos com base em critérios de representatividade e não administrativos. Porém, a sua definição deve ter em conta não só o número total de deputados mas também o sistema de votação desejado.
Nota final: está a decorrer uma petição online para propor uma redução do número de deputados, por isso promovemos também uma petição alternativa defendendo que haja um aumento significativo do número de deputados de forma a promover um debate mais esclarecido sobre esta questão.
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Problemas da democracia representativa em Portugal: (5) Sistemas de voto com ou sem ponderação dos candidatos?
Representação é diferente de representatividade. A primeira pode existir em qualquer sistema político incluindo os não democráticos. Já a representatividade é indissociável da democracia enquanto sistema de governo dirigido por representantes eleitos livremente por sufrágio individual e universal. A teoria do voto estuda a forma como os eleitores podem escolher os seus representantes para que estes sejam verdadeiramente representativos. Esta teoria, estuda hoje diversos sistemas de votação, sumariados nesta página da Wikipedia, para escolher um ou vários candidatos.
Na legislação Portuguesa optou-se pela escolha de vários candidatos numa única lista partidária fechada, eleitos através do método proporcional de Hondt. Por isso, para avaliar de forma adequada o sistema de eleição dos Deputados à Assembleia da República, precisamos de questionar separadamente o método da proporcionalidade e o sistema de listas.
Em relação à proporcionalidade temos de ponderar separadamente os sistemas de proporcionalidade plena, semi-proporcionalidade e da votação em bloco antes de analisar separadamente as técnicas que podemos usar para cada um deles. Em Portugal optou-se pelo sistema de proporcionalidade plena, mas passados mais de 35 anos podemos questionar-nos sobre as vantagens de o substituirmos por um sistema semi-proporcional.
Uma das suas variantes, o chamado voto cumulativo num sistema de voto em duas voltas, permitiria eliminar significativamente a falta de representatividade dos actuais deputados e retirava aos partidos o incentivo para apresentarem listas de yes-man do directório partidário. Por exemplo, no caso de Castelo Branco que referimos noutro artigo, os partidos podiam apresentar a sua lista de 8 candidatos para os 4 lugares disponíveis mas os eleitores dispunham de 10 votos para distribuir pelos candidatos do seu partido. Isto é, seria irrelevante a ordem em que os candidatos apareciam na lista e os partidos já não teriam o monopólio sobre quem passaria à segunda volta. Mais ainda, pode facilmente conceber-se um sistema em que na segunda volta os eleitores possam distribuir os seus votos por candidatos de diferentes partidos. Este é apenas um exemplo dos múltiplos sistemas que podemos desenhar para limitar, sem o eliminar, o papel dos directórios partidários no processo eleitoral.
Sem prejuízo de outra legislação complementar necessária à reforma dos partidos políticos e das leis sobre o seu financiamento, salientamos que a melhoria da qualidade dos políticos Portugueses passa pela escolha simultânea de um número adequado de deputados e de um sistema eleitoral consistentes com a criação de uma verdadeira democracia representativa.
Em conclusão, usando uma imagem simplificadora, precisamos de substituir o sistema actual em que meia dúzia de eleitos (excluindo as autarquias) escolhe os detentores de mais de 5 mil lugares políticos por um sistema em que cerca de 300 eleitos possam escolher e fiscalizar os detentores de apenas 2 mil lugares políticos no Estado e nas Empresas Públicas.
Na legislação Portuguesa optou-se pela escolha de vários candidatos numa única lista partidária fechada, eleitos através do método proporcional de Hondt. Por isso, para avaliar de forma adequada o sistema de eleição dos Deputados à Assembleia da República, precisamos de questionar separadamente o método da proporcionalidade e o sistema de listas.
Em relação à proporcionalidade temos de ponderar separadamente os sistemas de proporcionalidade plena, semi-proporcionalidade e da votação em bloco antes de analisar separadamente as técnicas que podemos usar para cada um deles. Em Portugal optou-se pelo sistema de proporcionalidade plena, mas passados mais de 35 anos podemos questionar-nos sobre as vantagens de o substituirmos por um sistema semi-proporcional.
Uma das suas variantes, o chamado voto cumulativo num sistema de voto em duas voltas, permitiria eliminar significativamente a falta de representatividade dos actuais deputados e retirava aos partidos o incentivo para apresentarem listas de yes-man do directório partidário. Por exemplo, no caso de Castelo Branco que referimos noutro artigo, os partidos podiam apresentar a sua lista de 8 candidatos para os 4 lugares disponíveis mas os eleitores dispunham de 10 votos para distribuir pelos candidatos do seu partido. Isto é, seria irrelevante a ordem em que os candidatos apareciam na lista e os partidos já não teriam o monopólio sobre quem passaria à segunda volta. Mais ainda, pode facilmente conceber-se um sistema em que na segunda volta os eleitores possam distribuir os seus votos por candidatos de diferentes partidos. Este é apenas um exemplo dos múltiplos sistemas que podemos desenhar para limitar, sem o eliminar, o papel dos directórios partidários no processo eleitoral.
Sem prejuízo de outra legislação complementar necessária à reforma dos partidos políticos e das leis sobre o seu financiamento, salientamos que a melhoria da qualidade dos políticos Portugueses passa pela escolha simultânea de um número adequado de deputados e de um sistema eleitoral consistentes com a criação de uma verdadeira democracia representativa.
Em conclusão, usando uma imagem simplificadora, precisamos de substituir o sistema actual em que meia dúzia de eleitos (excluindo as autarquias) escolhe os detentores de mais de 5 mil lugares políticos por um sistema em que cerca de 300 eleitos possam escolher e fiscalizar os detentores de apenas 2 mil lugares políticos no Estado e nas Empresas Públicas.
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