Os três principais factores que mais contribuem para a crescente desmotivação dos portugueses são: a) a falta de perspectivas para o futuro, b) a percepção de que são sempre enganados pelos políticos, e c) o sentimento de injustiça na repartição dos sacrifícios necessários para sair da crise. O último é frequentemente expresso através do dito popular “são sempre os pequeninos a pagar”.
Como eu costumo dizer aos meus alunos, qualquer programa de ajustamento macroeconómico para ter sucesso precisa de ter um rede de protecção para os mais vulneráveis e repartir os custos do ajustamento de uma forma justa. Isto é, deve penalizar primeiro os que mais beneficiaram das políticas que levaram ao descalabro financeiro e repartir os restantes custos com um sentido visível de justiça.
A rede de protecção aos mais vulneráveis foi recentemente apresentada pelo Ministro da Solidariedade e Segurança Social através do chamado Programa de Emergência Social que visa apoiar cerca de um terço dos Portugueses e terá uma dotação anual de 400 milhões de Euros. Esperemos que seja suficiente.
Quanto à penalização dos beneficiários pelo descalabro financeiro ainda não vimos qualquer medida. Pior ainda, tivemos vários sinais preocupantes em sentido contrário, de que destacamos os seguintes exemplos. O Ministro da Economia continua a passear-se vaidosamente e ufano rodeado dos mesmos dirigentes empresariais que desde 1986 têm desbaratado os milhares de milhões de Euros em subsídios recebidos da União Europeia. Mais ainda, afirmou recentemente no Financial Times que os produtores de energia eólica (que desde 2005 já receberam mais de 7.5 mil milhões de euros de subsídios) não teriam os seus contratos renegociados.
Quanto ao Ministro das Finanças, deixou que as empresas oligopolistas onde o Estado detinha direitos preferenciais (e.g. PT e EDP) cancelassem esses direitos sem compensação ao Estado. Quando precisou de recorrer a receitas extraordinárias para tapar o chamado buraco orçamental de 2011 recorreu a medidas sem grande preocupação de justiça. Por exemplo, o imposto extraordinário sobre os rendimentos do trabalho (vulgarmente conhecido por corte do 13º mês) deixou de fora os juros e dividendos. Aumentou o IVA de bens essenciais como a electricidade e o gás de 6 para 23% mas deixou de fora muitos bens supérfluos (ainda que simbólicos) actualmente no escalão dos 6% (e.g. o Golfo). Finalmente, satisfazendo uma reivindicação antiga dos bancos, aceitou comprar os fundos de pensões dos bancos que foram uns dos principais responsáveis pela crise. Também o aumento do número de administradores da CGD, ainda que insignificante em termos de custos, não deixou de dar uma má imagem.
Todas estas posições e decisões levam muitos dos que depositaram a sua esperança no novo governo a pensar que afinal temos mais do mesmo. É por isso indispensável que no Orçamento de Estado para 2012 o governo arrepie caminho. Os anunciados aumentos de impostos e o corte da despesa em 9% provavelmente irão causar a maior recessão jamais vivida em Portugal. Se os mesmos não forem feitos com justiça (tal como sugerimos no passado) corremos o risco de agravar o sentimento de injustiça ao ponto de romper a tradicional resignação e pacifismo dos Portugueses. Adicionar a uma grave crise económica uma crise de ordem pública seria desastroso para o país.
Continuamos a acreditar que o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças são pessoas sensatas e justas que tentarão inverter esta tendência para o abismo da injustiça. Porém, parafraseando o dito sobre a mulher de César, “a sua determinação em restabelecer o sentido de justiça entre os Portugueses tem de estar acima de qualquer suspeita ”.
Thursday, 18 August 2011
Alerta ao Governo: Não Agravem o Sentimento de Injustiça
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