Questionário

Monday 5 December 2011

Passos Coelho e a Contabilidade Criativa

Este fim-de-semana o Primeiro-ministro deixou o país perplexo com a notícia de que tinha 2 mil milhões de Euros para injectar na economia. Onde é que ele foi buscar o dinheiro? Aparentemente a receita extraordinária com os fundos de pensões dos bancos teria criado essa folga orçamental.

Infelizmente as ditas receitas extraordinárias não são verdadeiras receitas, mesmo que o Eurostat diga que sim.

Já o famigerado Sócrates tinha tido tão brilhante ideia ao contabilizar os adiantamentos das PPPs como receita, e o resultado está à vista.

Para perceber porque é que a compra de um fundo de pensões não pode ser considerado como uma receita imagine-se que uma seguradora pretende vender um fundo de pensões. Se o valor actual das obrigações futuras do fundo for 100 e o fundo detiver valores realizáveis no valor de 100 a seguradora poderia vender o fundo por um valor correspondente apenas ao goodwill estimado da carteira de clientes, por exemplo 10%. Porém, se os valores detidos pelo fundo fossem apenas 50% das obrigações a seguradora pagaria ao comprador 40. Isto é, o equivalente à recapitalização do fundo menos o valor do goodwill.

Repare-se agora na situação do comprador, por exemplo outra seguradora. Esta tem várias maneiras de fazer o investimento. Pode pagar 50 em dinheiro e pedir emprestados 60 para recapitalizar o fundo e pagar o goodwill ao vendedor. Neste caso, o seu activo passaria a valer 110 (fundo mais goodwill) enquanto o passivo aumentava para 60 e os capitais próprios continuariam a ser 50. Isto é, não haveria lugar ao reconhecimento de gastos ou receitas. Se optasse por receber os 40 da subcapitalização do fundo, o seu activo passaria a ser 150 (= 50 dinheiro + 40 pagos pelo vendedor + 10 goodwill + 50 valor do fundo) enquanto o passivo e capitais próprios passariam a ser 150 (= 100 das obrigações do fundo + 50 de capitais próprios). Mais uma vez não havia lugar ao reconhecimento de perdas ou receitas.

Em ambos os casos o comprador estaria a fazer um investimento, embora financiado de maneira diferente. Na segunda modalidade o investimento seria apenas mais alavancado e arriscado. Se o investimento seria lucrativo ou desastroso só se pode saber no futuro; dependendo da rentabilidade dos valores adquiridos e do montante das pensões a pagar anualmente. Por exemplo, se no primeiro ano o fundo tivesse de pagar 5% e ganhasse apenas 3% então teria de reconhecer um prejuízo de 2%.

No caso dos fundos de pensões dos bancários adquiridos pelo Estado Português optou-se pela segunda modalidade. Eis os valores disponíveis de acordo com a comunicação social: O valor dos fundos de pensões dos bancários está avaliado em 14 mil milhões de Euros. Este ano os vendedores (fundos dos bancários) transferiram para o comprador (Estado) 6 mil milhões de Euros de valores mobiliários. Entretanto o Estado passará a contribuir com 0.5 mil milhões de Euros anualmente para a Segurança Social para ela pagar as pensões dos bancários.

Será possível saber desde já se o Estado fez um bom ou mau negócio? Sem mais informação sobre as condições do negócio e a qualidade e valor dos activos comprados pelo Estado, não é possível saber.

Porém, é fácil concluir que um empréstimo forçado dos trabalhadores e pensionistas bancários em vez do financiamento da Troika será mais dispendioso; a não ser que o Estado não pense pagar a totalidade da divida contraída.

Em resumo, o uso de contabilidade criativa por parte do Governo para contabilizar um empréstimo como uma receita não é um bom prenuncio para quem diz querer resolver o problema da divida pública.

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