No Natal somos todos solicitados a dar presentes, quer seja um simples sorriso ou uma jóia valiosa. Trata-se de uma tradição Cristã associada à celebração do nascimento de Jesus que hoje se alargou a todo o mundo e se transformou numa espécie de rito anual de consumismo. Apesar desta orgia consumista poder ser classificada como um vício, é inegável que o espirito de generosidade que lhe está subjacente continua a ser uma virtude não só Cristã mas também iluminista como iremos demonstrar.
Começando por uma definição simples de generosidade diremos que se trata de uma excepção ao princípio da troca por interesse mútuo que está na base do desenvolvimento civilizacional nos regimes de economia de mercado. Usando o jargão dos economistas diremos que se trata de uma troca em que o dador aceita trocar voluntariamente uma determinada quantidade de utilidade por outra com menor (ou nula) utilidade favorecendo deliberadamente o beneficiário. Nesta definição a generosidade incluiu doações espontâneas ou premeditadas e com e sem reciprocidade (mesmo que esta seja apenas sob a forma de auto-estima para o dador).
Este desvio ao princípio do interesse mútuo suscita muitas questões que estão reflectidas noutras virtudes e sinónimos que muitas vezes usamos para descrever a generosidade, nomeadamente: filantropia, caridade, tolerância, magnanimidade, bondade, amor, liberalidade, largesse, compaixão, empatia, altruísmo, etc.
Muitas interrogações resultam também da forma que assume a generosidade (dar tempo, dinheiro, bens ou amor), dos destinatários dessa generosidade (animais, instituições, pessoas, familiares, próximos, conhecidos ou desconhecidos), das circunstâncias (calamidades, infortúnios, imprudência ou irresponsabilidade) e da condicionalidade imposta aos beneficiários (não usar para comprar drogas ou álcool, frequentar a escola ou igreja, etc.).
A generosidade pode também ser definida em relação aos seus antónimos, nomeadamente ganância e sovinice. Esta foi a via escolhida por Aristóteles que em relação ao dinheiro definiu generosidade (liberalidade) como a média (na sua acepção de ponto óptimo) entre o desperdício e a avareza. Embora Aristóteles tivesse elencado a generosidade como a terceira virtude, logo a seguir à coragem e à temperança, esta devia ser sujeita a regras de condicionalidade. Para ele uma pessoa generosa daria à pessoa certa, a quantia certa na altura certa, isto é, daria com satisfação pessoal e com eficiência.
Esta definição de generosidade distingue-se da concepção Cristã mais centrada no dador, ao pregar que se deve “fazer o bem sem olhar a quem” na expectativa de uma recompensa divina.
Em contraste, os filósofos iluministas vieram repor a enfâse na racionalidade das dádivas. Por exemplo, Benjamin Franklin incluiu a generosidade na sua concepção de frugalidade (não gastes sem ser em benefício de outros ou de ti próprio, i. e. não desperdices nada). Para Adam Smith a generosidade seria um sentimento derivado do amor e definido como simpatia ou compaixão. Já para Locke a generosidade seria um hábito salutar a cultivar nas crianças para limitar a sua tendência natural para a dominação, enquanto para Rosseau essa imposição moral nas crianças seria geradora de hipocrisia.
Numa outra perspectiva, Frank Knight argumentou que a ética e a economia estão inseparavelmente ligadas no estudo do valor. Acrescentou ainda que a repartição do rendimento não é distribuída aos factores de produção mas sim aos seus proprietários, mas que a distribuição da propriedade é o resultado imprevisível da hereditariedade, sorte e trabalho.
Pessoalmente, recuso a menorização da generosidade com base nas concepções Darwinistas sobre a sobrevivência do mais forte mas também a sua redução ao papel de mero complemento às falhas dos governos e dos mercados. Isto é, a generosidade é muito mais do que um simples substituto da inexistência de um seguro universal contra todas as adversidades da vida.
A generosidade constitui também uma importante característica da nossa personalidade, independentemente das nossas motivações e da forma como cada um de nós é generoso. Por exemplo, pessoalmente, embora eu reconheça o direito à mendicidade entendo que a mesma deve ser limitada na forma e nos locais onde pode ser exercida, da mesma forma que o direito à venda porta-a-porta ou telefónica deve ser limitada para não infringir o direito à privacidade de terceiros. Por isso, prefiro canalizar a minha generosidade através de organizações especializadas na ajuda social. Pelo contrário, a minha mulher, uma das pessoas mais generosas que conheço, não resiste a nenhum peditório, incluindo os mais duvidosos, e tem um genuíno prazer em dar aos outros.
Em suma, para que a generosidade seja consistente com o racionalismo das virtudes iluministas apenas terá de ser genuinamente baseada numa troca voluntária e deliberadamente desequilibrada em favor do beneficiário e não se substituir às trocas puramente comerciais.
P.S. Sermos nós próprios a decidir a quem dar e como dar não é essencial para ser generoso mas é desejável. Por isso, para além dos presentes de Natal, não se esqueça de quando preencher a sua declaração de IRS indicar as entidades a quem o Estado deverá dar 0.5% dos impostos que lhe cobrou.
Sunday, 23 December 2012
Natal: tempo para dar e reflectir sobre a generosidade
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Wednesday, 12 December 2012
About the universe: Science vs. Speculation
I’m reading a fascinating book by Paul Halpern on the Edge of the Universe, where he says that astronomers can now give reasonable approximations to its age (about 13.75 billion years) and its observable size (approximately 93 billion light years in diameter). They also estimate that less than 5% of the observable universe is made of ordinary matter, the rest being dark matter (23%) and dark energy (72%). There is also strong scientific evidence that it began from an incredibly hot and unbelievably dense Big Bang and that it is expanding at a rate faster than previously anticipated.
This is what hard scientific evidence can tell us. Beyond this we can only speculate or join the realm of science fiction. Since I am not a Cosmologist I can only speculate about the many unanswered questions raised by the universe. Let me select three of them to speculate about – how much universe lies beyond the visible universe, how will the current expansion terminate and whether there are more universes beyond ours?
To help with my speculation I shall use an analogy with a child blowing soap bubbles as depicted in the following picture.
To answer the first two questions let us assume that our universe is the bubble that she is still blowing. The question then becomes how will it end? One possibility is that she will stop blowing and instead begin sucking in the air to deflate the bubble. This is the favourite forecast by those astronomers who believe in the so-called Big Crunch.
This possibility raises two correlated questions and answers. When will she decide to reverse the blowing and how many times can she use the same water and soap to inflate and deflate the bubble. Some astronomers who believe in the Big Crunch usually estimate that she will blow for about 100 billion years but do not venture an answer if or how often the process can be repeated.
As an economist I am inclined to accept that such cycles can repeat themselves indefinitely. But I have some difficulty to understand the existence of infinity outside mathematics and as something external to the human mind. So let me return to the other alternatives.
She may either continue blowing or stop blowing. In the latter case she could release the bubble or try to keep it. If she continues blowing, the bubble may release itself or simply bust. Whenever the bubble is released it can fly in space isolated or merge with other bubbles until eventually they implode or vanish from our sight.
It is easy to understand that the outcome is highly unpredictable in the absence of statistical history. Unfortunately, when it comes to forecasting the future expansion path of our universe(s) we do not have the luxury of statistical analysis. So we can only speculate on how large is the share of the observable universe. Is it 99% or just an infinitesimal part of it? This remains an open question.
Turning now to the third question – the possible existence of many universes – the picture seems to suggest that we can have many bubbles (universes) all originating from the same source. But we can equally admit that there more boys and girls blowing soap bubbles. Indeed, why not admit the possibility that there an infinity of universes? This multiverse idea about a collection of universes is gaining ground among many cosmologists but so far it can only be a speculation of the kind any layperson like me can make.
Even if the existence of one or two more universes is proved we are still left with the problem of deciding if their number is finite.
So, until we have tackled satisfactorily the notions of finite and infinity, scientific pronouncements must be separated from speculative hypothesis. That is, just like investors, cosmologists must separate facts from speculations.
This is what hard scientific evidence can tell us. Beyond this we can only speculate or join the realm of science fiction. Since I am not a Cosmologist I can only speculate about the many unanswered questions raised by the universe. Let me select three of them to speculate about – how much universe lies beyond the visible universe, how will the current expansion terminate and whether there are more universes beyond ours?
To help with my speculation I shall use an analogy with a child blowing soap bubbles as depicted in the following picture.
To answer the first two questions let us assume that our universe is the bubble that she is still blowing. The question then becomes how will it end? One possibility is that she will stop blowing and instead begin sucking in the air to deflate the bubble. This is the favourite forecast by those astronomers who believe in the so-called Big Crunch.
This possibility raises two correlated questions and answers. When will she decide to reverse the blowing and how many times can she use the same water and soap to inflate and deflate the bubble. Some astronomers who believe in the Big Crunch usually estimate that she will blow for about 100 billion years but do not venture an answer if or how often the process can be repeated.
As an economist I am inclined to accept that such cycles can repeat themselves indefinitely. But I have some difficulty to understand the existence of infinity outside mathematics and as something external to the human mind. So let me return to the other alternatives.
She may either continue blowing or stop blowing. In the latter case she could release the bubble or try to keep it. If she continues blowing, the bubble may release itself or simply bust. Whenever the bubble is released it can fly in space isolated or merge with other bubbles until eventually they implode or vanish from our sight.
It is easy to understand that the outcome is highly unpredictable in the absence of statistical history. Unfortunately, when it comes to forecasting the future expansion path of our universe(s) we do not have the luxury of statistical analysis. So we can only speculate on how large is the share of the observable universe. Is it 99% or just an infinitesimal part of it? This remains an open question.
Turning now to the third question – the possible existence of many universes – the picture seems to suggest that we can have many bubbles (universes) all originating from the same source. But we can equally admit that there more boys and girls blowing soap bubbles. Indeed, why not admit the possibility that there an infinity of universes? This multiverse idea about a collection of universes is gaining ground among many cosmologists but so far it can only be a speculation of the kind any layperson like me can make.
Even if the existence of one or two more universes is proved we are still left with the problem of deciding if their number is finite.
So, until we have tackled satisfactorily the notions of finite and infinity, scientific pronouncements must be separated from speculative hypothesis. That is, just like investors, cosmologists must separate facts from speculations.
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Tuesday, 11 December 2012
Listing Virtues and Vices
The pursuit of virtues and the avoidance of vices are important for the progress of humanity. Both sets of rules and personality traits are designed to improve humankind individually and collectively. Two important affiliated questions are how many rules or qualities we need and how to enforce them.
Fortunately, nowadays, the internet facilitates listing the inventory of such rules. For instance, this site lists a total of 650 virtues and 350 vices. Obviously, not everyone will agree with the classification of a given rule or trait as a virtue or a vice and many rules are correlated or are only variants of other rules. For this reason we need taxonomy to group and classify them.
Indeed, the Wikipedia entry for list of virtues is based on 5 categories defined in relation to their purpose, namely: self-control, self-efficacy, regard, respect and kindness. Others choose to select the top 5, 10 or whatever number they feel appropriate. What is undeniable is that such lists or taxonomies reflect both their historical context and their religious or philosophical roots.
In fact these are often outdated and prevail over a classification system based only on an empirical analysis of their contribution to the betterment of humankind. For instance, the Ten Commandments, The Hadiths, The Modes of Sattva and the Ten Perfections followed by Jews, Muslims, Hindus and Buddhists, respectively, have many virtues in common but cannot explain the civilizational differences between their followers.
So, when picking up a list of virtues one must choose on the basis of their universality, longevity, and rationality. On the basis of the first two criteria we must certainly include Aristotle´s list of virtues and using the third criteria one must include lists based on the philosophy of enlightenment.
Aristotle defined a virtue as a balance point between a deficiency and an excess of a trait that lies not in the exact middle, but at a golden mean sometimes closer to one extreme than the other (see list here).
From the enlightenment philosophers we can build multiple lists ranging from the popular list of 13 virtues by Benjamin Franklin to Adam Smith´s analysis of the amiable, respectable and intellectual virtues discussed in his Theory of Moral Sentiments.
Yet, some modern philosophers have associated the virtues of enlightenment with being tantamount to bourgeois virtues (e.g. McCloskey) or have criticized them for failing to include the Aristotle´s concept of mean (e.g. MacIntyre´s book After Virtue).
Following on Francis Wheen's defense of the principles of the Enlightenment against various strands of irrationalism in his book How Mumbo-Jumbo Conquered the World; we believe that it is possible and desirable to merge the ethics of Enlightenment and Aristotle. We will try to do so in future posts on specific virtues and come up with our own list of enlightened virtues.
Fortunately, nowadays, the internet facilitates listing the inventory of such rules. For instance, this site lists a total of 650 virtues and 350 vices. Obviously, not everyone will agree with the classification of a given rule or trait as a virtue or a vice and many rules are correlated or are only variants of other rules. For this reason we need taxonomy to group and classify them.
Indeed, the Wikipedia entry for list of virtues is based on 5 categories defined in relation to their purpose, namely: self-control, self-efficacy, regard, respect and kindness. Others choose to select the top 5, 10 or whatever number they feel appropriate. What is undeniable is that such lists or taxonomies reflect both their historical context and their religious or philosophical roots.
In fact these are often outdated and prevail over a classification system based only on an empirical analysis of their contribution to the betterment of humankind. For instance, the Ten Commandments, The Hadiths, The Modes of Sattva and the Ten Perfections followed by Jews, Muslims, Hindus and Buddhists, respectively, have many virtues in common but cannot explain the civilizational differences between their followers.
So, when picking up a list of virtues one must choose on the basis of their universality, longevity, and rationality. On the basis of the first two criteria we must certainly include Aristotle´s list of virtues and using the third criteria one must include lists based on the philosophy of enlightenment.
Aristotle defined a virtue as a balance point between a deficiency and an excess of a trait that lies not in the exact middle, but at a golden mean sometimes closer to one extreme than the other (see list here).
From the enlightenment philosophers we can build multiple lists ranging from the popular list of 13 virtues by Benjamin Franklin to Adam Smith´s analysis of the amiable, respectable and intellectual virtues discussed in his Theory of Moral Sentiments.
Yet, some modern philosophers have associated the virtues of enlightenment with being tantamount to bourgeois virtues (e.g. McCloskey) or have criticized them for failing to include the Aristotle´s concept of mean (e.g. MacIntyre´s book After Virtue).
Following on Francis Wheen's defense of the principles of the Enlightenment against various strands of irrationalism in his book How Mumbo-Jumbo Conquered the World; we believe that it is possible and desirable to merge the ethics of Enlightenment and Aristotle. We will try to do so in future posts on specific virtues and come up with our own list of enlightened virtues.
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Wednesday, 5 December 2012
Um tema delicado: A participação das famílias no custo da educação
A confusão criada pelo Primeiro-Ministro com o "disse que não disse" sobre o aumento da contribuição dos estudantes para o financiamento do sistema de ensino, não ajudou nada a que se debata com calma e ponderação o problema do financiamento do ensino.
Interessa por isso relembrar alguns factos:
a) Existem 4 níveis de ensino – infantil, primário, secundário e superior – com diferenças significativas quanto à necessidade ou não de serem financiados a quase 100% pelo Estado;
b) O co-financiamento público, mesmo quando está longe dos 100%, é indispensável para assegurar taxas de frequência ao nível considerado socialmente desejável nas diferentes áreas do saber;
c) É inquestionável que entre nós, tal como na generalidade dos países, o sistema de ensino se divide em pelo menos três níveis – escolas de elite, de qualidade média e de baixa qualidade – pelo que se pode questionar se o co-financiamento estatal deve ser idêntico para estes três subsistemas;
d) A definição de custos de educação pode basear-se numa versão restrita (apenas os custos de leccionação) ou alargada, desde os custos com material escolar, transportes, alimentação e alojamento até à própria perda salarial potencial durante os estudos;
e) A igualdade de oportunidades não pode ser dissociada do mérito individual, por isso deve ser analisada separadamente em relação a cada um dos sistemas;
f) O custo total do ensino também não pode ser dissociado do número de anos exigíveis para cada nível de ensino. Por exemplo, precisamos mesmo do 12º ano e de tantos mestrandos/doutorandos?
Cada um destes aspectos gera discussões muito acaloradas que não podem ser deixadas a demagogos sem qualquer experiência de vida ou académica nem a contabilistas apenas interessados em equilibrar as contas.
Pela minha parte, penso que a maioria das famílias hoje em dia já são suficientemente abonadas para poderem comparticipar mais nas despesas de educação.
Por outro lado, também é possível implementar sistemas de comparticipação diferida através de empréstimos a longo prazo ou impostos diferidos para quando o estudante estiver a retirar os benefícios da sua educação.
Por isso, não me surpreende que certos estudos do Governo Inglês indiquem que o aumento das propinas não terá reduzido a taxa de participação dos estudantes de origens humildes.
No entanto, baseado na minha experiência pessoal de estudante e na minha estadia em Inglaterra questiono-me sobre se tal resultado não ocultará uma verdadeira desigualdade de oportunidades no acesso às boas escolas.
Pessoalmente, sendo de origens humildes, tive a felicidade de ter pais que se sacrificaram para além do imaginável a fim me proporcionar o acesso ao ensino secundário e superior. Porém, talvez o seu esforço tivesse sido inglório, se não vivêssemos numa época onde a qualidade dos Liceus era bastante boa e uniforme a nível nacional, não havia propinas na melhor escola de economia do país e havia residências universitárias a custo quase zero.
Pelo contrário, em Inglaterra tinha uma situação financeira desafogada que me permitiu inscrever a minha filha numa escola privada de grande qualidade. Tendo em conta os seus méritos pessoais, estou certo que isso lhe asseguraria um lugar numa boa (e muito cara) escola secundária o que a colocaria facilmente em Oxford ou Cambridge. Porém, se não tivesse posses para pagar essas escolas privadas duvido que ela viesse a ser elegível para um lugar em Oxbridge. Felizmente, a questão nunca se colocou porque voltámos a Portugal e ela não precisou de apoio financeiro para aceder à Oxbridge Portuguesa (Nova SBE).
Em conclusão, o aumento da comparticipação das famílias no financiamento do ensino não deve ser decidido antes de se explorarem todas as possibilidades de redução de custos no sistema educativo (redução do número de anos lectivos, graus, composição do corpo docente, transportes escolares, etc.) e sem se criarem mecanismos que garantam a igualdade de oportunidades no acesso ao ensino de alta qualidade.
Esta tarefa é demasiado delicada para ser deixada a “Jotas” incompetentes, muitos deles originários de escolas mais ou menos trapaceiras nos graus que atribuem.
Interessa por isso relembrar alguns factos:
a) Existem 4 níveis de ensino – infantil, primário, secundário e superior – com diferenças significativas quanto à necessidade ou não de serem financiados a quase 100% pelo Estado;
b) O co-financiamento público, mesmo quando está longe dos 100%, é indispensável para assegurar taxas de frequência ao nível considerado socialmente desejável nas diferentes áreas do saber;
c) É inquestionável que entre nós, tal como na generalidade dos países, o sistema de ensino se divide em pelo menos três níveis – escolas de elite, de qualidade média e de baixa qualidade – pelo que se pode questionar se o co-financiamento estatal deve ser idêntico para estes três subsistemas;
d) A definição de custos de educação pode basear-se numa versão restrita (apenas os custos de leccionação) ou alargada, desde os custos com material escolar, transportes, alimentação e alojamento até à própria perda salarial potencial durante os estudos;
e) A igualdade de oportunidades não pode ser dissociada do mérito individual, por isso deve ser analisada separadamente em relação a cada um dos sistemas;
f) O custo total do ensino também não pode ser dissociado do número de anos exigíveis para cada nível de ensino. Por exemplo, precisamos mesmo do 12º ano e de tantos mestrandos/doutorandos?
Cada um destes aspectos gera discussões muito acaloradas que não podem ser deixadas a demagogos sem qualquer experiência de vida ou académica nem a contabilistas apenas interessados em equilibrar as contas.
Pela minha parte, penso que a maioria das famílias hoje em dia já são suficientemente abonadas para poderem comparticipar mais nas despesas de educação.
Por outro lado, também é possível implementar sistemas de comparticipação diferida através de empréstimos a longo prazo ou impostos diferidos para quando o estudante estiver a retirar os benefícios da sua educação.
Por isso, não me surpreende que certos estudos do Governo Inglês indiquem que o aumento das propinas não terá reduzido a taxa de participação dos estudantes de origens humildes.
No entanto, baseado na minha experiência pessoal de estudante e na minha estadia em Inglaterra questiono-me sobre se tal resultado não ocultará uma verdadeira desigualdade de oportunidades no acesso às boas escolas.
Pessoalmente, sendo de origens humildes, tive a felicidade de ter pais que se sacrificaram para além do imaginável a fim me proporcionar o acesso ao ensino secundário e superior. Porém, talvez o seu esforço tivesse sido inglório, se não vivêssemos numa época onde a qualidade dos Liceus era bastante boa e uniforme a nível nacional, não havia propinas na melhor escola de economia do país e havia residências universitárias a custo quase zero.
Pelo contrário, em Inglaterra tinha uma situação financeira desafogada que me permitiu inscrever a minha filha numa escola privada de grande qualidade. Tendo em conta os seus méritos pessoais, estou certo que isso lhe asseguraria um lugar numa boa (e muito cara) escola secundária o que a colocaria facilmente em Oxford ou Cambridge. Porém, se não tivesse posses para pagar essas escolas privadas duvido que ela viesse a ser elegível para um lugar em Oxbridge. Felizmente, a questão nunca se colocou porque voltámos a Portugal e ela não precisou de apoio financeiro para aceder à Oxbridge Portuguesa (Nova SBE).
Em conclusão, o aumento da comparticipação das famílias no financiamento do ensino não deve ser decidido antes de se explorarem todas as possibilidades de redução de custos no sistema educativo (redução do número de anos lectivos, graus, composição do corpo docente, transportes escolares, etc.) e sem se criarem mecanismos que garantam a igualdade de oportunidades no acesso ao ensino de alta qualidade.
Esta tarefa é demasiado delicada para ser deixada a “Jotas” incompetentes, muitos deles originários de escolas mais ou menos trapaceiras nos graus que atribuem.
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