A recente retoma económica em Portugal criou duas ilusões de sinal oposto.
Os adeptos do governo da geringonça acreditam que a reversão das medidas de austeridade sem agravamento do défice, explicam a sua inutilidade e a retoma económica.
Os defensores do anterior governo acreditam que a retoma económica não seria possível sem a austeridade que tiveram que aplicar.
Estão ambos enganados.
A austeridade seletiva não eliminou os problemas estruturais que levaram à quase bancarrota do país, de outro modo a reversão das medidas por este governo já teria levado ao agravamento do défice nas contas públicas.
Diz-se que tal só não está a ocorrer porque o governo continua a controlar o défice através de uma austeridade disfarçada (divida a fornecedores, cativações e outros expedientes). Isto é, estaria a escrever direito por linhas tortas, reduzindo o défice à custa do consumo e investimento público, mas restabelecendo os privilégios dos funcionários públicos e o poder do PCP/CGTP/sindicatos nos setores protegidos da concorrência internacional.
Tal poderá ser verdade, mas não explica a retoma económica nem o renascer do otimismo entre os Portugueses. Em relação ao otimismo, para além da tradicional tendência que temos para alternar entre euforia e pessimismos excessivos, tratar-se-á sobretudo do tipo de otimismo daqueles que perdidos no deserto encontram um pequeno oásis que lhes permite sobreviver mais um tempo.
Relembremos alguns dados dos processos de ajustamento vividos em Portugal.
No final do período de três anos do programa da Troika, o ajustamento alcançado na conta corrente de Portugal era semelhante ao dos programas anteriores (8,8% contra 7,7% e 10,1% em 1978 e 1983, respetivamente). No entanto, desta vez, a correção demorou o dobro do tempo e o custo em termos de queda de produção mais do que duplicou (uma queda de 5,2%, contra uma desaceleração de 2,7% em 1978 e uma perda de 2,1% em 1983).
E o que é que aconteceu no período pós-programa? Ao programa de 1978-90 seguiu-se a recessão internacional de 1981-82 pelo que ao fim de três anos tivemos de recorrer a novo programa de ajustamento. O programa seguinte não sofreu a mesma sorte porque entramos para a União Europeia em 1986 e os fundos comunitários vieram adiar por muitos anos os nossos problemas estruturais na balança de pagamentos.
O pós-programa de 2011-2013, também está a beneficiar de três fatores externos positivos muito significativos – o desvio do turismo do norte de África para Portugal e Espanha, a intervenção do Banco Central Europeu e a desvalorização salarial adotada no programa. Porém, nem a magnitude nem a duração estes fatores se podem comparar à entrada na União Europeia.
Por isso, se não mudarmos de rumo, a atual acalmia não durará, na melhor das hipóteses, uma dúzia de anos.
Não vale a pena iludirmo-nos de que estamos a escrever direito por linhas tortas.
Saturday, 15 July 2017
Ilusões: escrever direito por linhas tortas?
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