Os economistas usam frequentemente o chamado Homo Economicus, para descrever um agente económico representativo. Hoje vou escrever sobre os malefícios de uma outra espécie que abunda em muitas instituições internacionais e em particular no Banco Central Europeu – o Economicus Ignoramus.
Esta espécie é maioritariamente constituída por fundamentalistas da escola monetarista e por “novos clássicos” que, ignorantes de tudo o que se aprendeu sobre gestão macroeconómica, continuam a acreditar em sangrar o paciente (isto é, a economia) até à exaustão na expectativa de que a fada mágica da confiança venha relançar a economia. Em particular, acreditam que a baixa sucessiva dos salários nominais trará uma retoma económica em vez do agravamento da recessão.
Vítor Gaspar, o nosso ministro das finanças, enquanto funcionário do BCE era considerado como um elemento moderado dessa espécie de ignoramus. Por isso, foi com surpresa que vimos o Primeiro-ministro Passos Coelho anunciar a medida mais estupida que essa espécie jamais quis experimentar até hoje. Refiro-me à proposta de aumentar marginalmente os impostos sobre o trabalho de 34.75% para 36%, mas com uma redução do salário nominal dos trabalhadores (antes de IRS) em 7.7% que seria parcialmente utilizada para reduzir os custos laborais para as entidades patronais em 4.7%.
Contrariamente à redução dos salários reais por via inflacionista ou do aumento dos horários de trabalho, os cortes nos salários nominais é contraproducente por reduzir desnecessariamente a procura interna agregada tal como foi demonstrado por Keynes há mais de 75 anos (ver por exemplo o capítulo 2 da sua Teoria Geral). Também a reacção pouco entusiasta dos empresários Portugueses, supostamente beneficiados com essa redução, corrobora a teoria Keynesiana.
Uns simples cálculos “de guardanapo” ilustram a irracionalidade desta medida. Vejamos primeiro porque é que os empresários não estão entusiasmados com os 4.7%. Eles sabem por experiência que baixar os salários líquidos vai causar ressentimento entre os seus trabalhadores com duas reacções inevitáveis: um pedido de aumento salarial compensador e ou uma redução do seu empenho no trabalho que reduz a sua produtividade. Eles também antecipam que os trabalhadores dos sectores regulados e dos transportes farão valer as suas reivindicações e que as respectivas empresas oligopolistas farão repercutir o aumento dos custos no preço a cobrar pela energia, crédito e transportes às restantes empresas.
Por isso, basta que estas repercutam a totalidade dos custos de reposição dos salários líquidos dos seus trabalhadores para que as restantes empresas tenham um acréscimo de custos na ordem de 0.7%. Se as restantes empresas perderam mais 2 a 3% por via da reposição de salários e quebra de produtividade então o ganho final será provavelmente inferior a 1%. Será que tal benefício constitui uma vantagem competitiva? Claro que não! As empresas exportadoras são sobretudo vulneráveis a uma valorização do Euro e as que trabalham para o mercado interno serão drasticamente afectadas pela contracção no consumo privado.
Na verdade esta redução no rendimento nominal será a mais desastrosa para a economia portuguesa por agravar o crédito mal parado e reduzir o consumo privado. Como as remunerações dos assalariados representam cerca de 50% do PIB em Portugal, o aumento de 7% da contribuição para a segurança social poderá traduzir-se numa redução do consumo privado em cerca de 1.75% do PIB, à qual podemos acrescentar mais 0.8% de contracção resultante do efeito multiplicador sobre o desemprego causado por essa medida. Deste modo a previsão do Banco de Portugal para um crescimento zero em 2013, deverá ser revista para uma quebra de 1.5%. Isto é, o país continuará em recessão em 2013.
Em suma, a esperteza saloia de querer fazer o triplo e com esta engenharia tributária agradar à Troika introduzindo a sua desejada desvalorização salarial de 7%, enganar o Tribunal Constitucional dissimulando o não cumprimento do princípio da equidade e satisfazer os lobbies contra o aumento dos impostos sobre o capital, irá traduzir-se num efeito negligenciável sobre as contas públicas (senão mesmo negativo), num agravar absurdo das desigualdades, no aumento imparável do crédito mal parado e do desemprego (que poderá aproximar-se dos 20%) e numa quebra significativa do PIB nacional.
Com as perspectivas resultantes desta inépcia (ou perfídia?) do Governo não será de admirar que os nossos credores continuem sem acreditar em Portugal e teremos de concluir que será pior a emenda que o soneto.
Sunday, 9 September 2012
Orçamento 2013: Economicus Ignoramus ou pior a emenda que o soneto?
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