Questionário

Friday, 28 March 2014

Indexação das pensões ao PIB: Tropelia ou ignorância?

Apenas uma pequena nota sobre a intenção do Governo de indexar as pensões ao crescimento económico e à demografia. A notícia despoletou uma onda de reações sobre a forma como foi feito o anúncio e as intenções subjacentes ao mesmo. No entanto, ninguém se pronunciou sobre a substância da questão.

Se a intenção for a elaboração de um calendário para repor os cortes feitos nas pensões em função do crescimento económico isso é perfeitamente razoável.

Porém, se a intenção for indexar indefinidamente as pensões ao PIB então estamos perante um enorme disparate económico. Porquê? Qualquer aluno do 1º ano de economia tem obrigação de saber como funcionam os chamados estabilizadores automáticos. Por exemplo, o subsídio de desemprego e outras prestações sociais funcionam como estabilizadores automáticos para atenuar os efeitos negativos sobre a procura agregada resultantes de uma redução da atividade económica. Por isso se chamam de anti cíclicos.

Fazer o inverso, isto é, reduzir as pensões (e já agora porque não os salários?) quando a atividade económica desacelera ou recua iria agravar ainda mais essa contração. Isto é, seria pró cíclico e transformar-se-ia num desestabilizador automático!

É conhecido que alguns dos nossos atuais governantes e respetivos assessores tiraram cursos duvidosos em escolas de baixa reputação, mas por favor consultem alguém que saiba antes de proporem a primeira ideia que lhes vem à cabeça. O país não aguenta mais!

Friday, 21 March 2014

A maldição dos Fundos Estruturais

A generalidade dos Portugueses acredita que os fundos estruturais da União Europeia são bons para Portugal, mas serão mesmo? Aparentemente sim. Quem não fica satisfeito com as belíssimas autoestradas que nos permitem viajar comodamente pelo país fora.

No entanto, quando comparamos o desempenho económico do país com o de outros países da chamada coesão verificamos no gráfico abaixo que Portugal foi o país que menos se aproximou da média Europeia ao fim de 25 anos de Fundos Estruturais. Na verdade, estamos praticamente na mesma relativamente ao resto da Europa, apesar de anualmente recebermos cerca de 2 mil milhões de Euros em transferências líquidas da União Europeia.
Fonte: 25 Anos de Portugal Europeu, Augusto Mateus, ed. Fundação Manuel dos Santos.

Como autor de um modelo para medir os efeitos da integração Europeia e de alguns estudos empíricos sobre coesão feitos na década de 1980, é natural que me sinta bastante dececionado com os resultados obtidos por Portugal. Por exemplo, em Economic Coehsion in Europe: the impact of the Delors Plan, no Journal of Common Market Studies de Setembro de 1990, eu estimei que os fundos estruturais poderiam contribuir com cerca de 0.2 a 0.3% para o crescimento do PIB em Portugal. Então o que é que correu mal?

Como referia nesse texto as transferências financeiras só podem beneficiar o país recebedor se não houver uma aceleração da propensão a importar e se os termos de troca em relação a outros países não forem afetados adversamente. De outro modo os benefícios das transferências podem ser eliminados ou mesmo transformados em prejuízo, nomeadamente se o ritmo dessas transferências tiver um efeito pró cíclico. Esse risco é tanto maior quanto mais longo for o período durante o qual se recebem essas transferências.

Sem entrar nos aspetos técnicos que são complexos, o problema pode ser ilustrado com uma analogia muito simples. Imagine-se que um clube de bilionários aceita no seu seio um membro com poucos recursos. Incomodados com a pobreza do novo membro, e sem querer ferir a sua suscetibilidade, no primeiro aniversário da sua adesão decidem oferecer-lhe um Volvo. Agradecido, o beneficiário vende o seu velho Fiat e passa a viajar mais e melhor embora as suas finanças se ressintam um pouco. Vendo a satisfação do beneficiário, no segundo aniversário os bilionários decidem oferecer-lhe um Ferrari para ele poder substituir o Volvo. O beneficiário ficou satisfeito mas rapidamente se apercebeu que a sua manutenção seria difícil porque o dinheiro da venda do Volvo não chegava e teria de pedir um empréstimo ao banco, passando a andar angustiado com as suas dificuldades financeiras. No aniversário seguinte os bilionários decidiram ir mais longe e oferecer-lhe um avião. Desta vez ele ficou receoso porque teria de manter uma tripulação e não podia vender o Ferrari. Consultou o seu banco, mas este vendo como o cliente tinha progredido nos últimos anos, descansou-o propondo-lhe uma solução financeira que lhe permitia transferir para o futuro esses custos. Sossegado, decidiu aceitar alegremente a prenda e passou a viajar de avião. Porém, contrariamente à sua expectativa de uma nova prenda ainda maior, no aniversário seguinte os seus colegas deram-lhe apenas uma prenda simbólica enquanto as prestações da tal solução financeira começaram a aparecer e ele teve de declarar falência.

Portugal, ao fim dos primeiros dois ou três Quadros Comunitários, estava numa situação semelhante ao do beneficiário dos milionários quando recebeu o Volvo. Porém, depois passou a investir em projetos cada vez mais megalómanos, sem qualquer retorno a curto prazo e sem capacidade de sustentar o nível de vida a que se habituara e que tinha sido aumentado de forma artificial.

Tal como os bilionários viram a sua boa ação transformada num desastre, também a União Europeia tem de ponderar se os fundos estruturais em vez de uma bênção são de facto uma maldição para os seus beneficiários.

Friday, 14 March 2014

Reestruturação da dívida pública: sim, não ou talvez?

Esta semana, na sequência do chamado manifesto dos 70, debateu-se com grande alarde se Portugal pode reduzir a sua dívida pública para níveis sustentáveis sem fazer uma reestruturação. Os campos dividiram-se entre o Governo que continua a dizer que nunca o fará e os signatários do manifesto que advogam a sua necessidade.

Formalmente, o Governo tem sempre de negar qualquer reestruturação para evitar a contaminação imediata dos juros. No entanto, Passos Coelho parece acreditar genuinamente que é possível evitar essa reestruturação. Avaliação oposta fazem obviamente os signatários do manifesto, entre os quais se encontram três reputados ex-ministros das Finanças (Silva Lopes, Bagão Félix e Ferreira Leite). Em qualquer processo de reestruturação de dívidas sejam elas pessoais, empresariais ou soberanas é normal que as partes envolvidas façam avaliações distintas sobre a sua indispensabilidade, pelo que não se justificaria o alarido atual.

Já quanto à oportunidade do momento escolhido para o debate também é normal que cada parte tenha calendários diferentes. Por exemplo, para um Governo, que está a preparar uma ida ao mercado a breve prazo, este é certamente o pior momento para debater tal tema. Já os signatários do manifesto entendem que este é o momento ideal, pois foi relançada a nível Europeu a proposta para a criação de um mecanismo de reestruturação e mutualização parcial das dívidas soberanas. Mais uma vez temos de respeitar as prioridades de cada um e não as usar como o principal argumento do debate.

Porém, o retomar de um debate sereno é indispensável, para não ficarmos prisioneiros do sim ou do não. Pois, na verdade, existe uma terceira via que pode ser a melhor para o país. Existe o talvez. Isto é, deixar para mais tarde uma decisão sobre a necessidade de reestruturação se as alternativas propostas falharem.

Por isso, entre a insensibilidade de um Governo que não se importa de continuar a empobrecer o país para não penalizar no curto prazo os credores e a imprudência dos signatários do manifesto que menorizam os custos de uma eventual reestruturação e o risco de se ficar na dependência de uma decisão incerta de Bruxelas, prefiro uma solução de iniciativa nacional que não necessite de uma reestruturação.

Que solução seria essa? Sem entrar em pormenores técnicos, pois o Governo não me contratou para isso, direi apenas que em termos gerais ela poderia ser negociada com os nossos parceiros da União Europeia nos seguintes termos: a) antecipação imediata do recebimento da maioria das verbas previstas para Portugal nas perspetivas orçamentais da União Europeia para o período 2014-2020 (cerca de 20 mil milhões de Euros) que seriam usadas exclusivamente para amortização da divida; b) negociar uma reorientação dos empréstimos do BEI para o financiamento do investimento público (cerca de 10 mil milhões de Euros), c) reformulação do programa de ajuda aos bancos para um modelo semelhante ao Espanhol e abandono do disparate de criar um novo banco de fomento (financiados em 15 mil milhões pelo programa da Troika), e d) caso não seja criado nenhum mecanismo de mutualização parcial da divida, negociar um prazo mais alargado para reduzir a divida para os 60% do PIB.

Os benefícios desta estratégia seriam enormes. Com as medidas a) e c) reduzia-se imediatamente a divida pública direta dos atuais 210 para 165 mil milhões de Euros (isto é, abaixo dos 95% do PIB) e evitavam-se os efeitos perversos que essas transferências têm na economia Portuguesae (obras megalómanas sem qualquer rentabilidade, distorção da concorrência e promoção da corrupção e subsidiodependência). O financiamento do BEI ao Estado (cerca de 2 mil milhões anuais) permitiria reanimar o investimento público indispensável. Finalmente, uma maior flexibilização do programa de redução da divida pública permitiria adequar a mesma às necessidades de um crescimento mais rápido da economia, indispensável para assegurar a sustentabilidade a longo prazo da divida pública

Em suma, simultaneamente, Portugal podia acelerar o crescimento económico de forma a recuperar do seu atraso em relação à Europa e recuperar a sua credibilidade junto dos mercados.