Questionário

Wednesday, 25 May 2016

O dilema dos liberais perante a guerra de corporações

A guerra de interesses corporativos entre a FENPROF e as associações representativas dos colégios privados com contratos de associação teve um efeito colateral interessante. Os nossos liberais ficaram divididos entre os que cerraram fileiras no apoio aos colégios privados e os (muito poucos) que permaneceram neutros.

Será que essa divisão serve para identificar os verdadeiros liberais?

Em parte sim, mas não é suficiente pela seguinte razão. A escolha entre manter monopólios estatais ou privatizá-los é um dilema clássico para os liberais, que se vêm confrontados com dois problemas diferentes.

Por um lado, os liberais acabam identificados com os oportunistas que advogam a privatização apenas para se apropriarem das rendas monopolistas. E, uma vez instalados, conluiem com os políticos na prática de abusos muitas vezes superiores aos dos monopólios estatais.

Por outro lado, os liberais têm de reconhecer que é muito difícil avaliar a eficiência relativa de monopólios geridos por privados ou pelo estado.

Serão inultrapassáveis estes dilemas?

Não, se houver o bom senso de distinguir as diferentes situações.

Por exemplo, é essencial distinguir entre monopólios naturais e monopólios criados por regulamentação. Mesmo quando essa distinção é difícil, como acontece no caso da saúde e da educação. Como explicamos num post anterior apenas nas grandes cidades a educação não é um monopólio natural.

De igual modo, os liberais têm de reconhecer que as suas posições atraem inevitavelmente muitos “amigos de ocasião”. Por isso, têm de ter o cuidado de distinguir entre o que são apenas interesses ou afinidades ideológicas e o que são princípios fundamentais do liberalismo. Há mesmo uma necessidade de promover os princípios liberais junto dos diversos partidos políticos pelas razões que expliquei num post anterior.

Também não podem ignorar o sistema em que vivem. Por exemplo, em Portugal vivemos há mais de oitenta anos num sistema de capitalismo de estado. Esse sistema perpetuar-se-á por mais tempo se o eleitorado confundir a privatização de alguns monopólios com liberalização.

Em conclusão, o efeito colateral das guerras entre corporações de interesses instaladas no aparelho de estado pode ser benéfico para os liberais se estes souberem aproveitar para discutir os dilemas do liberalismo em vez de se dividirem em múltiplas fações de apoio ou oposição às corporações em confronto.

Tuesday, 24 May 2016

A burocracia e a perversão do espirito universitário

Como qualquer organização, as universidades precisam de uma administração burocrática. Porém, tal não deve ser motivo para destruir o espírito de governo tradicional das universidades, como tem estado a acontecer em Portugal.

O governo tradicional das universidades assentava num modelo de autogoverno, com prestação regular de contas às entidades financiadoras, abstendo-se estas de interferir na gestão das universidades.

Em termos simples o modelo de gestão das universidades era semelhante aos das restantes sociedades de profissionais (de auditoria, advocacia, medicina, etc.), modelo que na gíria anglo-saxónica se chama de partnership. Neste modelo os partners (sócios ou professores) contratam um corpo de funcionários administrativos e de profissionais auxiliares (assistentes e auxiliares), sendo os futuros partners selecionados entre estes últimos.

Num modelo de partnership, a burocracia é reduzida ao mínimo porque os sócios controlam de forma colegial a gestão e não precisam de um sistema de informação muito detalhado.

Em geral, um sócio assume rotativamente o controle da administração a tempo parcial. Esta é a diferença fundamental em relação a outros tipos de organizações onde os gestores respondem e são contratados pelos acionistas para dirigir a burocracia que administra os restantes colaboradores. Numa partnership o objetivo da gestão é maximizar o rendimento dos partners.

De forma equivalente, numa Universidade o corpo de professores contratava o pessoal administrativo e os assistentes necessários elegendo um dos professores para exercer as funções de reitor ou diretor a tempo parcial. Na universidade o objetivo era a maximização do prestígio da universidade conseguido através do prestígio dos seus professores.

O que levou as universidades (em especial as que não adotaram o estatuto de fundação) a abandonar progressivamente este modelo eficaz de gestão?

A principal razão invocada é que as universidades se transformaram em grandes organizações do tipo empresarial pelo que têm de adotar os modelos e técnicas de gestão empresarial.

Um outro argumento é que a prestação de contas das universidades tem de ir para além da responsabilidade orçamental, nomeadamente prestando contas sobre a sua política de recrutamento, escolha de cursos e seleção de alunos.

A primeira razão é claramente falsa, como é demonstrado pelos bancos de investimento que, tendo sido integrados em grandes bancos universais, continuaram a ser geridos num modelo de partnership.

O argumento de que a prestação de contas deve ir além das contas financeiras já pode ter duas leituras.

Se considerarmos as universidades apenas como instituições de formação, mais ou menos profissionalizante, então a sua lógica pode assentar não na maximização do seu prestígio mas na minimização dos custos de formação. Isto é, o financiador seleciona a gestão que por sua vez contrata os professores, assistentes e funcionários de forma a minimizar o custo de formação. A ideia de ter universidades estatais abertas a todos os alunos baseia-se nesta filosofia.

No entanto, se entendermos que a universidade deve estar ao serviço do saber e da ciência o alargamento da sua responsabilização só pode aceitar uma leitura. A avaliação tem de limitar-se ao seu contributo científico. Esse contributo pode ser a base do seu financiamento, mas não pode ir mais além, sob pena de comprometer a liberdade indispensável ao progresso científico e cultural.

Ora, em Portugal, confundem-se estas duas leituras ao impor às universidades numerus clausus, limites ao valor das propinas, democratização interna, escolhas curriculares e uma entidade avaliadora focada essencialmente na atividade letiva.

Em particular, a ideia de que a democratização universitária passava pela inclusão de assistentes, alunos e funcionários nos corpos de gestão (em oposição a uma desejável participação em órgãos consultivos) perverteu o objetivo de maximização do prestígio dos seus professores, substituindo-o pela maximização do emprego total e seu controle por grupos de interesses, geralmente com ligações partidárias. Os recursos passaram a ser distribuídos de acordo com a relação de forças políticas, frequentemente invertendo a hierarquia tradicional, e quase sempre com prejuízo da autonomia letiva e científica mesmo ao nível departamental.

Uma consequência visível desta evolução perversa foi que muitos dos professores mais qualificados passaram a ter de procurar prestígio em atividades não relacionadas com a universidade, deixando as suas decisões estratégicas, promoções, planos de estudos e distribuição do serviço aos assistentes e professores vocacionados para a burocracia.

Esta tendência agravou-se com a criação da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) que, embora sendo uma fundação, é nomeada pelo governo e rege-se por princípios orientadores fixados legalmente pelo Estado.

Esta agência veio extravasar o que seria um trabalho desejável e útil de auditoria técnica da qualidade no ensino e investigação por iniciativa das próprias universidades, para se transformar numa entidade de acreditação dominada por uma perspetiva corporativa de formação profissional.

Assim, as universidades passaram a ser dominadas por uma burocracia que se autoalimenta e multiplica, interferindo cada vez mais na atividade dos professores sem que estes possam retirar qualquer benefício dessa avaliações. Isto é, os professores passaram a trabalhar para a A3ES em vez de ser a A3ES a trabalhar para os professores.

Em conclusão, este processo de “secundarização” das universidades resulta duma conceção errada do seu papel e da sua democratização e gestão, que diminui o contributo das universidades para a sociedade ao mesmo tempo que engana os alunos sobre a qualidade do serviço que a universidade lhes presta.

Wednesday, 18 May 2016

Trump: Caligula or Incitatus?

Legend has it that the Roman Emperor Caligula had his horse Incitatus elected senator. Caligula, an insane tyrant who ruled between37 and 41 AD, was famous for his cruelty, sadism, extravagance, and sexual perversity. He is said to have built for Incitatus a stable of marble, with an ivory manger, purple blankets, and a collar of precious stones. The horse would also "invite" dignitaries to dine with him in a house outfitted with servants. Some say that Caligula carried out such extravagances to ridicule and provoke the senate.

At the start, Donald Trump was also seen as an extravagant character, with a narcissistic authoritarian personality who named his buildings and casinos after himself and was a keen participant in reality shows. Yet, he is now the Republican candidate for President of the United States.

So, it is pertinent to ask if the Republican leadership (GOP) went crazy and found its own Incitatus in Trump, or if the reverse is true and Trump is a kind of Caligula who turned the GOP into his Incitatus. The answer might be the second, given that Trump was initially opposed by the GOP.

Were Trump to be elected, it would not be the first time that an electorate voted into office clowns or mavericks in a gesture of protest against the establishment. Electing a clown or an Ernest might even be a refreshing interval, if the country were not fundamental for world peace and democracy and the elected clown did not have firm crazy ideas.

Unfortunately, neither the US is a minor power, nor Trump is devoid of ingrained dangerous ideas.

To understand how dangerous are his ideas it is enough to translate them into plain English as follows:


This so-called program to Make America Great Again, will instead damage seriously the Dollar and the US economy, reduces America leadership and threatens world peace.

His nationalistic, xenophobic, homophobic and militaristic stance would alienate allies, divide Americans and create new enemies. The beacon for democracy, fairness and opportunity that America has been for more than a century would come to an end.

I do not believe that the American people will vote such candidate for President, but should it happen, Mr Trump could become simultaneously a modern-day version of Caligula and his horse.

Tuesday, 10 May 2016

Em que é que a Educação e a Saúde são assim tão diferentes?

Não são tão diferentes como se possa pensar. Ambos são serviços que na maioria das situações têm de ser prestados em condições de monopólio, o que justifica a sua regulação estatal.

Quanto à questão de saber se também deve ser o estado a providenciá-los diretamente é uma discussão semelhante à de todos os serviços públicos cujo consumo é divisível e individual. Quais são mais facilmente reguláveis: os monopólios públicos ou os privados? Trata-se de uma questão empírica, e temos certamente muitos bons e maus exemplos para ambos os lados.

No entanto, o bom senso recomenda que em ambos os casos se comece pelas situações mais próximas de um mercado competitivo, isto é, na educação devia começar-se pelo pré-escolar e primária e na saúde pelos cuidados primários (centros de saúde).

Ora, em Portugal, começamos precisamente pelo lado oposto - pelas universidades e pelos hospitais. Porque será?

Há razões que se prendem com o tradicional "chico espertismo” dos Portugueses, nomeadamente pelo facto de só os grandes negócios darem grandes comissões/rendas e pela tradicional acumulação de empregos e negócios entre o estado e o privado.

Mas há uma razão fundamental pelo facto do acesso às universidades e aos hospitais ser determinante na criação de igualdade de oportunidades e mobilidade social. São por isso o palco privilegiado para uma espécie de luta de classes surda nas sociedades modernas. No caso de Portugal essa luta é agravada por não termos no passado universidades de elite nem uma classe médica com um status tão superior ao dos restantes profissionais.

Curiosamente estes dois fenómenos estão interligados num circulo vicioso em que a garantia e preservação de um emprego bem remunerado na saúde levou á adoção de numerus clausus restritivos que por sua vez gerou uma procura absurda por notas altas em medicina e cursos afins e ao recurso exponencial ao sistema de explicações e respetivos centros e colégios privados.

Este fenómeno traduz-se num desperdício imenso de talento e recursos que pode ser facilmente resolvido através de legislação que fixe o acesso aos cursos de saúde com base numa nota ponderada entre a nota académica e a vocação profissional.

Em resumo, haja bom senso e não misturemos as questões da eficiência e regulação com as da igualdade de oportunidades de uma forma acrítica e generalizada.

Monday, 9 May 2016

Mitos urbanos sobre escolha e concorrência no ensino

O debate suscitado em torno do financiamento dos colégios privados contratados pelo estado trouxe novamente à baila uma controvérsia antiga sobre a liberdade de escolha dos pais e a maior ou menor eficiência do ensino público e privado.

A liberdade de escolha é importante numa sociedade, mas só pode ser exercida plenamente se houver condições materiais para a exercer. Antes do aparecimento do ensino obrigatório e da escola pública essa liberdade era plena, mas apenas para os nobres que podiam escolher os preceptores que quisessem para os seus filhos. Os restantes tinham que se sujeitar ao ensino religioso.

Como o conhecimento nessa época era limitado, um único preceptor podia ensinar todas as disciplinas em casa dos alunos. Com o avanço técnico e cientifico essa solução deixou de ser eficaz e os próprios nobres tiveram de substituir o ensino individual pelo ensino em grupo.

Ora o ensino em grupo tem requisitos mínimos em termos de dimensão, variáveis de acordo com o grau de ensino. Por exemplo, o ensino pré-primário pode ser economicamente prestado em pequenos grupos por um ou dois educadores já o secundário exige umas centenas de alunos e o universitário uns milhares.

Por isso em países pequenos ou pouco urbanizados o ensino tem de ser maioritariamente prestado em condições de monopólio local ou regional. E, esses monopólios, são incompatíveis com uma verdadeira liberdade de escolha. Nessa perspectiva o debate deve distinguir entre os níveis de ensino onde é possível encontrar ou desenvolver situações de emulação de concorrência daqueles onde isso não é possível.

Por exemplo, o ensino pré-primário pode e deve ser concorrencial nas pequenas e grandes cidades, mas não pode sê-lo nas aldeias e vilas mais pequenas. Já o ensino básico e secundário só pode ser concorrencial nas cidades médias e grandes como Coimbra e Porto. Quanto ao ensino universitário só pode ser concorrencial em Lisboa.

Deste modo a educação em Portugal é necessariamente monopolista e a questão a debater é se é mais eficaz regular monopólios privados ou estatais. Este debate é controverso não sói na educação, mas em todos sectores desde a saúde à energia com características de utility, mas não é uma questão de liberdade de escolha.

A ideia de que podemos ter uma saudável concorrência entre o ensino privado e público no secundário é fruto duma perversão do ensino em Portugal, traduzida naquilo que podemos chamar de “a praga das explicações”. Hoje em dia proliferam por todo o lado centros de explicações e colégios privados que prometem preparar melhor os alunos para os exames.

Esses estabelecimentos prestam um serviço útil aos pais que não podem ou não querem acompanhar a educação dos seus filhos, providenciando um horário escolar compatível com horário de trabalho dos pais, algo que a escola pública se demitiu de fazer por pressões sindicais e falta de recursos. Basta lembrar que até há pouco em muitas escolas públicas os alunos só tinham aulas de manhã ou à tarde.

Porém, este recurso às escolas de explicações tem um custo elevadíssimo para o futuro dos alunos.

Para percebermos isso temos de lembrar como surgiram as escolas de explicações, chamadas de crammers em inglês. Essas escolas surgiram para preparar os filhos dos nobres ingleses que por burrice ou malandrice não eram capazes de passar nos exames de acesso a Cambridge ou Oxford. A estratégia pedagógica seguida consistia em obrigar esses alunos a decorar a matéria e exercícios de forma acrítica para despejar nos exames e esquecer imediatamente. Essas escolas privadas eram assim um misto de casa de correção e preceptor individual. Antes do 25 de Abril também existiam em Portugal alguns colégios com essas características, lembro-me por exemplo do de Abrantes.

Essas escolas funcionavam bem porque uma vez os alunos admitidos a Oxford ou Cambridge não precisavam de se preocupar mais com o estudo, mas sim com a confraternização com os bons alunos que mais tarde iriam encontrar ou contratar no governo ou nas empresas dos seus familiares onde em geral os filhos das elites exerciam funções não executivas. Este sistema permitia combinar a perpetuação das classes dirigentes com a eficácia administrativa.

Ora, pensar que este modelo pode ser generalizado à totalidade da população é um verdadeiro mito urbano. Um mito que custa muito caro ao país e, sobretudo, aos alunos que ficam para sempre iludidos a pensar que aprenderam alguma coisa, quando na verdade não aprenderam o essencial que é a capacidade de estudar por si próprios, inovar e resolver problemas.

Confundir esta tendência para a proliferação de escolas de explicações com a liberdade de escolha no ensino é um erro grave para aqueles que verdadeiramente acreditam no ensino como fonte de liberdade e de promoção da mobilidade social!